sábado, 24 de julho de 2010

Os camaleões do "trust"

Os camaleões do ‘trust’

Aqueles que pensam que serviço de espionagem é privilégio de um James Bomd dentro e fora das telas cinematográficas, quer dizer o do cinema, – ao parecer, já aposentado engana-se Tirante o James Bond com sua bengala de fazer mágica debaixo de uma lona de circo, tivemos muito atrás, na I Guerra Mundial, a holandesa Mata Hari, cujo nome verdadeiro era Margaretha Geertruida Macleod, capturada pelos alemães em princípios do século XX. Alinha-se, entanto, como a central de inteligência mais profícua a soviética KGB, hoje aos cuidados de Putin, com os já célebres mísseis, por via das dúvidas, apontados para o Ocidente, e seguindo-se a tão orquestrada Central de Inteligência dos Estados Unidos da América, a CIA.
E sabiam que na Cidade Maravilhosa, anos antes da mudança da capital para o cerrado do Planalto Central, já funcionou um serviço se bem que menos de espionagem do que de contra-espionagem? E o inusitado é que esse serviço operava 100% diuturnamente em defesa dos interesses brasileiros. Outra curiosidade é que ele se achava instalado praticamente dentro da Embaixada Americana!
O chefe desse serviço era um grande e corajoso jornalista, sisudo, de poucas palavras, um dos editores de A Noite, prestigioso órgão da imprensa brasileira que fazia parte das Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União. O jornalista, impecável em seus ternos feitos, tudo indicava, sob medida, alto, sapatos luzindo, a olhar sobranceiro por cima dos ombros de quem estivessse à sua frente, chamava a atenção pelo seu porte de militar em desfile pela data nacional da Independência americana. Um tipo escrito de gringo típico de Washington. Falava a língua inglesa com muita fluidez e seguia uma rotina no edifício de A Noite: apanhava um exemplar na mesa do contínuo, que o guardava para ele, e se dirigia ao elevador, descendo no piso da Rádio Nacional, onde normalmente ficava não mais que meia hora. Às vezes, entretanto, esticava um pouco mais, para uma troca de tapinhas com Heron Domingues, que fazia o Repórter Esso na Nacional sem que tivesse qualquer ligação com o “trust” do petróleo. (Tanto assim era que a morte do presidente Vargas foi muito sentida por Heron, a ponto do famoso locutor, que a noticiara com a voz trêmula de emoção, dias depois sofria um infarto fulminante).
E em dependências da Embaixada Americana o personagem misterioso passara meses a reproduzir o material que lhe interessava para compor um dossiê completo sobre as atividades escusas da Shell no Brasil. Tratava-se, portanto, daquilo que se conhece por contra-espionagem.
“E não usa chapéu”, uma vez, pensei com estranheza e certa desconfiança. “Nem cachimbo inclinado como o de Sherlock Holmes...” Era isso! Um detetive, pode ser. Daqueles a esvoaçarem pelas brumas de uma Londres com seus pesados capotes.
O tipo era mesmo de detetive, investigador, algo assim. Muito embora o nome dele, verdadeiro, pudesse ser o de algum personagem que Conan Doyle houvesse esquecido numa gaveta do seu escritório ou tendo-se já esgotado sua passagem genealógica pelo mundo.
Epitácio Caó, o jornalista investigativo (como se o definiria hoje) nome de personagem ou de escritor de ficção policial, viu o trust por dentro.
As artimanhas da Shell chegaram através dele em forma de libelo ao Congresso Nacional - como uma bomba. E logo se constituiu naquele poder uma Comissão Parlamentar de Inquérito a fim de apurar as gravíssimas denúncias de Caó, muito bem fundamentadas, documentadas, irretocáveis.
Com o selo de Panfleto, uma revista e editora de esquerda, quando Vargas já havia dado o seu tiro no peito - para evitar que o Brasil fosse envolvido pelos tentáculos do imperialismo, publicava-se sob grande expectativa o livro-bomba de Epitácio Caó, provocando a instalação de uma CPI no Congresso, e que logo nas primeiras linhas o Autor o justificava:
‘Aos que não me conhecem e aos que desavisadamente lerem este trabalho devo uma explicação sobre minha atitude em relação ao “trust” do petróleo.
É que, tendo eu trabalhado para os dois maiores grupos - Esso e Shell – neste último durante quase sete anos, e tendo me afastado de ambos, poderia ser mal interpretado o meu gesto’.
Enfatiza que “a verdade pura e simples, porém, é que nunca pensei em fazer carreira no ‘trust’. E que logo nos primeiros instantes sentiu que ‘todo aquele ambiente se chocava com os meus ideais de brasileiro, embora não deixasse de ser um interessante campo de estudo e observação para um repórter. Acrescentando: ‘À proporção que me aproximava, então, cada vez mais, dos elementos de primeira grandeza da administração do “trust”, conhecendo seu caráter, sua mentalidade e sua conduta, pela natureza de minhas funções, maior era o meu sentimento de brasilidade”. Caó afirma ter entrado para o ‘trust’ já se preparando para dele sair. E que a prova disto são fatos e documentos deste seu livro, que datam mais ou menos do seu ingresso no ‘trust’.
“Eu vi o ‘trust’ por dentro”, título do livro, saiu três anos após a morte de Getúlio Vargas e em meio à tramitação da CPI do petróleo instituída no Congresso para apurar a denúncia das atividades sorrateiras da Shell e da Esso em nosso país.
Epitácio Caó trabalhava na Shell como um dos redatores da revista deste ‘trust’ – por sinal, palavra proibida em sua Redação. Preocupava-se o ‘trust’ em ser simpático à classe militar brasileira. Na legenda de uma foto da revista, lê-se que “as classes armadas são o esteio de toda a estabilidade política do país”. E que, “por isso, é preciso penetrar nelas, e um dos meios excelentes para tal fim são os aparentemente inofensivos ‘house magazines’; a legenda, então, mostra, a reprodução de capas das duas revistas com motivos militares, ou seja: Batalhão de Guardas e Polícias Militares.
Nosso personagem dir-se-ia ‘sherlockeano’ fala no sacrifício de heróis de uma batalha que, no Brasil, impulsou Vargas à renúncia à própria vida como um passo decidido rumo a uma verdadeira independência econômica nacional. Sem deixar de rememorar episódios da Guerra Fria – “incentivada desde que o petróleo deixou de ser assunto proibido. Sim, porque houve época em que a tranqüilidade dos ‘trusts’ era absoluta, pois ninguém poderia falar sobre petróleo sem arriscar-se a ir para a cadeia”...
O grupo Shell em nada difere da Esso, segundo o Autor, “quanto ao seu extraordinário interesse pela conquista do petróleo brasileiro, empenhando-se a fundo por consegui-lo, embora usando de outras armas e artimanhas’... Comenta que “quando se fala em ‘trust’ do petróleo e se lhe procura combater a ação quem aparece sempre em foco é a Standart (Esso), enquanto a Shell permanece esquecida, como se estivesse alheia à situação, apenas vivamente empenhada em contribuir para o desenvolvimento de nosso país, fornecendo-lhe os derivados do petróleo de que este tanto necessita... “E este curioso fato é muito comentado nas altas esferas da administração da Shell, como sendo uma das grandes vitórias dos seus métodos de ação em nosso país, rigorosamente como convém ao estilo frio e calculado de toda espécie de capitalismo ‘colonizador’ inglês”.
A fim de saber-se em que deu aquela CPI, o caminho natural seria uma consulta aos Anais do Congresso, se é que ainda existam lá transcrições plenárias sobre um assunto que manteve de pé os parlamentares da época em que encostaram à parede, ou pensaram haver encostado, os camaleões do ‘trust’. Desconhece-se, porém, se entre aquela época e a atual, em face do interregno imposto pelo ciclo ditatorial recente, algum parlamentar tenha ao menos pensado em revolver o que se passou pela tribuna e nos gabinetes da Casa.
Outro aspecto da infiltração do ‘trust’ na vida social do brasileiro refere-se, pelo que nos passa o Autor, a uma aparente disputa de liderança entre a Esso e o ‘trust’ anglo-holandês, isto é, a Shell. Conta que sob o “pomposo rótulo de ‘Filmoteca Cultural Shell’, o ‘trust’, que não gosta da palavra ‘nacional’ organizou um serviço de exibição de filmes a domicílio - leia-se estabelecimentos de ensino, quartéis, departamentos do governo, etc – que dispõe de uma centena de películas, com várias cópias, 90% das quais tecnicamente produzidas para levar ao espectador da maneira mais sutil e inteligente a mensagem de propaganda do ‘trust’.
Ocupa-se também o Autor da discriminação racial que havia nos escritórios da Shell e da Esso, não sendo admitidos funcionários que não fossem brancos, “embora nas páginas dos variados ‘staff magazines’, isto é, nas publicações destinadas aos empregados daquelas companhias estrangeiras de petróleo aparecessem constantemente “fotografias de negros”. (Vale considerar tais observações de Epitácio Caó de quando estava escrevendo o seu livro).
O livro vem prefaciado, provavelmente, pela ininteligibilidade parcial da assinatura (lê-se claramente abaixo do prefácio, a finalizar os caracteres iniciais, o nome Vargas, e levando-se em conta o talhe de letras e o estilo de redação), por Alzira Vargas.
Alzira Vargas, autora de “Getúlio Vargas, Meu Pai”, no prefácio de “Eu vi o ‘trust’ por dentro” recomendava a leitura deste livro como um ato de brasilidade. Sublinhava tratar-se de “um libelo realmente sério e honesto”. Referindo-se ao Autor como um “moço intrépido e destemido que decidiu correr os riscos de dizer a verdade, somente a verdade, denunciando, documentadamente, a sabotagem contra o Brasil promovida pelos senhores do monopólio mundial de combustíveis líquidos (...). E que ele estava “ante uma atraente oportunidade para localizar um dos ângulos mais expressivos da obra de Getúlio Vargas e de sua luta pela emancipação econômica do país”. Dizia mais: “Meu pai se antecipou a outro qualquer estadista brasileiro na perfeita compreensão do que vale a ideologia do desenvolvimento, isto é, o Nacionalismo, num ‘país subdesenvolvido’ – eufemismo sob o qual se oculta a exploração colonialista”...

Em tempo:
Nacionalismo e, mesmo, nacional, segundo o Autor de Eu Vi o ‘Trust’ Por Dentro, eram termos rigorosamente proibidos na Redação.





segunda-feira, 19 de julho de 2010

A ponte Havana-Madri

A ponte Havana-Madri
Os irmãos Castro estão esvaziando de dissidentes os cárceres de La Habana em cumprimento a acordo firmado com a Igreja Católica e o governo de Espanha, pelo qual esses presos políticos seriam postos em liberdade, como, de facto, já o estão sendo, por etapas, a fim de viverem em terra espanhola. Acompanhados de suas mulheres, as Damas de Branco, que experimentaram lampejos de fama durante o breve período em que desfilaram por “calles” de Cuba com cartazes clamando pela luz do dia para seus familiares encarcerados, uns por crimes comuns e outros por atentados à segurança do Estado. Desnecessário acrescentar as ações sediciosas praticadas por antepassados seus na ilha caribenha, sob o guante de Fulgêncio Batista, que se cercara de mafiosos de todos os talantes em redor do pano verde de um cassino que funcionava em um hotel, presentes, às vezes, para fazerem a sua ‘fezinha’, artistas de Hollywood e, inclusive, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill com o seu inapartável charuto – de boa folha.
Os cubanos que estão deixando a ilha em vôos oferecidos pelo governo espanhol tiveram suas penas revistas com a interferência do Vaticano, integrando um grupo de 75 opositores ao regime castrista. Alguns chegaram à greve de fome, tendo um deles ido ao extremo de recusar alimentos até morrer por inanição, daí aparecerem nas ruas as chamadas “Damas de Branco”, sem a repercussão que esperavam ter da imprensa.
Tudo começou na primavera de 2003, quando a Revolução Cubana vinha se sentindo ameaçada, como de outras vezes, a partir do episódio da fracassada invasão de Cuba através da “Bahia de Los Cochinos’, próximo ao balneário de Playa Girón. Anticastristas aboletados em Miami, armados e treinados do lado oculto do governo norte-americano, se lançaram ao mar àquela época, com os seus botes, e ao tocarem a costa caribenha, em Playa Girón, encontram forte resistência, avassaladora, que ficou na memória de cada cubano orgulhoso de sua Revolução várias vezes objeto de sabotagens por parte da CIA e da Máfia lá instalada desde o governo de Fulgêncio Batista, um escroque agalardoado pelos ianques, que lhe permitiam a exploração de cassinos e da prostituição. Cite-se neste particular o ponto mais popular da época, conhecido como “Calle de las Virtudes”.
Em 1º de janeiro de 1959 caía Fulgêncio Batista. Dava-se algo como uma explosão nuclear no mundo ocidental e que se traduzia por Revolução Cubana, acionada por uma tríade de heróis: Fidel Castro, que assumiria o governo com a orientação de seu irmão – Raúl Castro, Che Guevara e Camilo Cienfuegos. Toda a imprensa se mobilizou para cobrir o feito histórico. Talvez a maioria dos órgãos de comunicação do Ocidente, porém, olhasse com certo desdém aquele movimento revolucionário, que feria contundentemente uma tradição da qual os Estados Unidos, principalmente, não abririam mão com facilidade: o imperialismo, seguido do neocolonialismo. De todo modo, estavam lançados os dados.
Do Rio de Janeiro, quando capital da República, o Diário da Noite, órgão dos Diários e Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand, enviava ao Caribe o repórter gaúcho José Silveira mais para observar (puxando a brasa para a sardinha dos interesses ocidentais) o movimento encabeçado por Fidel e Che do que, propriamente, para dar-lhe cobertura, fosse com relativa neutralidade.
Umas duas semanas depois voltava José Silveira acompanhado de um repórter fotográfico, trazendo farto material sobre os primeiros novos dias cubanos, tendo-nos ele confidenciado, contudo, no retorno, que se achava impedido de publicá-lo como desejava, por ordem superior mas de fora do jornal. A reportagem, fiel ao que os repórteres testemunharam (já não me lembro quem fez as fotos) saiu, mas tendo-se tirado uns dez exemplares, apenas, como comprovação perante a tesouraria de que fora realizada, acabando por sua publicação normal ser vetada pela alta direção do vespertino da rua Sacadura Cabral e cuja redação ficava alguns andares abaixo de um dos muitos restaurantes do Saps espalhados pelo país - um dos frutos da boa política social de Getúlio Vargas. Pelo menos dois exemplares da edição interrompida a tempo na impressora passaram de mão em mão dentro das oficinas, os gráficos com a primazia da primeira leitura sobre a derrubada de Fulgêncio e seus asseclas. Chateaubriand, ao que parecia, nada tinha que ver com a edição que não chegou a rodar; tampouco Orlando Motta, editor-chefe do DN, jornal que vinha caindo dia a dia, até alguns luminares terem a idéia de argentinilizá-lo no formato, de tablóide, tomando como modelo El Clarín, de Buenos Aires. E trouxeram do pampa portenho um técnico em tablóides para a transformação do Diário da Noite, do Rio. Veio também Alberto Dines, incumbido de executar o projeto, que teoricamente tinha por base a suposição de que o que vendia mesmo jornal eram excelentes colunistas e não o noticiário em si.
Fez-se a transformação, baldeando de Ultima Hora para o Diário da Noite A Vida Como Ela É, de Nelson Rodrigues e a nata do colunismo social de outros jornais.
O resultado não podia ser pior. O Diário da Noite entra em declínio. Em Ultima Hora, que perdera A Vida Como Ela É, logo se apresentou um de seus redatores com uma coluna similar à de Nelson. E tudo foi se acomodando, sem o menor prejuízo para o noticiário geral. Exceto no Diário da Noite, que acabou amanhecendo, dias depois, com o cadeado na porta. Mania de modernidade...
Correm os anos, estamos em outra lua
. Reacende-se um movimento, desatado da Flórida e com o fole da Casa Branca, visando ao derruimento da Revolução Cubana.
Ao que se sabe e por fontes da dissidência castrista, dois dos presos políticos, agora em liberdade, recusaram o vôo humanitário para a Espanha, preferindo ficar em Cuba.