quarta-feira, 29 de abril de 2009

O dia em que o país quebrou numa entrevista de tevê




O dia em que o país quebrou numa entrevista de tevê*
1988. Discutia-se ‘ empresa nacional ‘
Já cheio, o entrevistador:
- É aquela que está aqui (no Brasil) e pronto!

Quem ainda não ouviu falar em possidonio? Uma figura de elenco romano, revivida na forma substantiva, tão supostamente fora de moda que talvez para pouparem naftalina – entre nós, dispensável a esse verbete – Aurélio Buarque de Holanda e sua equipe, distraídos, tenham preferido ignorar.
É o pretenso salvador da pátria, aquele que pensa, ou procura fazer incauto pensar, estar solucionando todos os problemas pelas entranhas com épicos cortes nos gastos públicos tipo 650 bilhões de cruzeiros a menos no livro-caixa da União, um dos mais recentes “enxugamentos” na atual administração da 5ª República (1964 ...). A mesma coisa que reduzir a massa de pobres com rajadas típicas de máfia na crença de que isso facilitasse a distribuição da renda nacional.
Um “Dorian Gray” que Milton & Rose Friedman tivessem produzido sobre a face de uma tela sul-americana ouvindo James Brown – óculos de cor de burro quando foge – eleitor confesso de George Bush - e que, pela lógica do original de Oscar Wilde, aceitasse o risco de desencantar-se ao impacto de um rombo no retrato: fonte parapictórica da economia de eterna mocidade, ou seja, de paralisação no tempo e no espaço.
Espécime de origem canhestra mas que acaba por aprender boas maneiras depois de entrar para a família dos caras-de-pau, reprodutor emérito, já em trânsito com muito garbo pelas veredas de “nuestra America”.
A prole, ou clã, em foco ocupa com frequência colunas de jornais e revistas de altas tiragens, e espaço na televisão, no Brasil, na Argentina e outros países do continente, a fim de passar ao público falsos conhecimentos de poderes ou direitos, conforme for o caso, e obrigações de Estado e de empresa privada.
Economia de mercado é o fundo do quadro, e as posições radicalizam-se entre estatistas e privatistas, como entendem os argentinos, estando os primeiros em franca e clamorosa desvantagem, por constituírem minoria - não escapando à regra: oprimida. Na Assembléia Nacional Constituinte (de 1988) pontificam os segundos, parte dos quais a se movimentar debaixo do pano e a outra às escâncaras, sem o menor escrúpulo. Assume a concepção de Estado democrático-burguês ou, na melhor hipótese, de ama-de-leite da iniciativa privada.
As discussões em Brasília para definição de empresa nacional seriam folhas de outono, ou mera satisfação parlamentar ao distinto eleitorado, a dar-se crédito à antecipação de voto consensual pelo comentarista Paulo Henrique Amorim no jornal-coruja da Rede Globo, nestes termos: “Empresa nacional é aquela que está aqui (no Brasil) e pronto!”.
Alguns exemplos num cineminha que não passa na TV Pirata do “Planeta Diário”: General Eletric com a lâmpada e o gênio para trazer o refrigerador, o televisor, a escuta FM (notícia não interessa, comercial... vá lá); enfim, o tão masturbado aparelho de som, isto quando a Philco ou sua coirmã a Philco Amazônia não chega primeiro, e a aspirina da Bayer se o alemão duvidar; Colgate-Palmolive e Gillette do Brasil, com um erro de grafia, no reservado, Johnson & Johnson para a higiene do bebê, a Avon a domicílio para a mamãe sair, sem esquecer o papai; a Ford conduzindo ao posto mais próximo da Shell, da Esso, da Texaco; a Goodyear e Firestone trocam os pneus, cenas no retrovisor da Petrobras; a Coca-Cola a contracenar com a Kibon na paisagem costurada pela Singer, a inglezinha Corrente a tiracolo abastecendo de resto os empinadores de pipas, nação de amanhã... isola! Que cresce à base do pó da Fleischmann Royal. Inclusivemente.
(De graça, além da receita do bolo de banana da Royal, as camisinhas distribuídas à farta, não é de hoje, no Nordeste brasileiro para o controle da natalidade, não propriamente da Aids. Lá, de soprar, “que nordestino tem mais é que reproduzir”, já dizia o pau-de-arara Heber Maranhão, um dos engenheiros da Revolução Sandinista, da Nicarágua.
Empresas nacionais? Como a Ref. de Milho Brasil, tão norte-americana quanto a IBM e a Xerox? Ou como a Alcan Nordeste – a baiana do Canadá?! Muitos constituintes, brandindo sufrágios de povo brasileiro, acham que o são. E mais: clamam pela privatização sumária da economia nacional. Um passo de “gigante adormecido” nesta direção já foi dado por ato presidencial criando o Conselho da Desestatização.
E o sr. Francisco Dornelles, ex-ministro da Fazenda, agora deputado constituinte (71.592 votos), entrevistado na TV Manchete, não se deu por satisfeito em suas premonições. Como assistindo a um apocalipse made in Lincoln Heighis, conhecido centro de venda e consumo de tóxicos encastelado em Washington, nos arredores da Casa Branca, foi textual, referindo-se, é claro, ao Brasil: “O país quebrou. E por que quebrou? Porque se criou um Estado tão grande, um Estado empresário tão gigante que hoje ele opera com déficit ( ...) Eu teria logo eliminado o subsídio do que pudesse, eu teria (sic, pausadamente) pri-va-ti-za-do imediatamente empresas estatais. (...) Eu não acredito hoje em sucesso de qualquer política econômica que não seja baseada em dois pontos: descentralização e desestatização (...) Uma porção de órgãos da União fazendo a mesma coisa! Você (dirigindo-se ao entrevistador e também, naturalmente, ao telespectador) tem que enxugar a máquina da administração direta”. (Com fraldas Johnson?)
Mais: “Eu não acredito no sucesso de uma política econômica que insiste em manter um Estado empresário deste tamanho. Hoje (sem revisão do entrevistado) ninguém pode como falar: Vamos manter o Banco do Brasil! Vamos manter aí o... o... a Vasp. E, agora, por que vamos manter a empresa siderúrgica?!”
Corta! Não seria o caso?

Transcrito do jornal “Tribuna de Imprensa”, do Rio de Janeiro, 4ª pág., edição de 27 de abril de 1988, ao início da votação na Constituinte, de Brasília, do capítulo referente à Ordem Econômica da nova Constituição brasileira. Reproduzido no Correio do Ilac, ano II, nº 9, órgão do Instituto Latino-Americano de Cultura, sob o título original A traição ao Estado. Revisto pelo autor: Fernando Henriques Gonçalves.
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quinta-feira, 16 de abril de 2009

O Fantasma de Fulgencio

O FANTASMA DE FULGENCIO

Enquanto se realizava em Córdoba, Argentina, a XXX Cúpula do Mercosul, Mercado Comum do Sul, da qual participaram os presidentes Néstor Kirchner, o anfitrião, Luís Inácio Lula da Silva, do Brasil, Tabaré Vasquez, Uruguai, Nicanor Duarte, Paraguai, Hugo Chávez, Venezuela, Evo Morales, Bolívia, Michelle Bachelet, Chile, e Fidel Castro, pela primeira vez em uma reunião do bloco regional, o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Carlos Gutiérrez, após um encontro em Miami com exilados cubanos mandou o seguinte recado de Washington para Havana:
“Os Estados Unidos já se comprometeram a garantir ao povo cubano total controle sobre o seu destino, no processo de transição política de Cuba (referindo-se a quando Fidel Castro não estiver mais no poder). Vamos evitar a intervenção de terceira parte...).
O recado não era propriamente para Havana, mas para Caracas. Gutiérrez teria respondido a uma pergunta sobre o que fariam os Estados Unidos no caso de a Venezuela interferir, chegada a hora, na sucessão presidencial de Cuba, em face da aliança, já consolidada, Castro-Chávez.
O secretário de Comércio norte-americano quis dizer, obviamente, que havia apenas duas partes competentes para conduzir o processo de sucessão presidencial na ilha caribenha: uma delas, os Estados Unidos; a outra, os anticastristas treinados nos pântanos da Flórida.
Pelo menos até alguns anos atrás, John Ellis ‘Jeb’ Bush, governador da Flórida e irmão do presidente George W. Bush, treinava-os por aqueles pântanos para, quando chegasse a hora, empreenderem a tomada de Cuba - reconduzindo, por assim dizer, ao poder o f a n t a s m a do coronel Fulgencio Batista, que em outubro de 1933, a bordo (!) de um cruzador norte-americano fundeado na baía de Havana, empossava-se no cargo de presidente.
Isso, a 26 anos da vitória da revolução comandada por Fidel Castro, que logo começava a varrer daquela área do Caribe o paraíso da droga, da jogatina, do trottoir na Calle de las Virtudes, tudo administrado a disparos de metralhadora Thompson por uma máfia de mãos dadas, e terno italiano, com os subterrâneos dos Estados Unidos. O curioso mas não tão estranho como possa parecer é que o coronel Fulgencio Batista, ao tempo em que ainda era sargento-telegrafista, aliara-se ao gangster americano Meyer Lansky, um grau a menos que Lucky Luciano à testa da máfia novaiorquina, ou ítalo-americana, para plantar seu governo em Cuba. E partilhar dos negócios fechados no Hotel Nacional, freqüentado por turistas americanos e europeus, entre os quais celebridades como Frank Sinatra, Ava Gardner, Errol Flynn, Steven Spielberg, outros astros e estrelas de Hollywood; até o estadista britânico Winston Churchill.