sábado, 16 de outubro de 2010

Presidenta, não tenha medo dos gurkas!


Em 20 de junho de 1820 morre em Buenos Aires o general Manuel Belgrano, herói nacional, quem criou a bandeira da República Argentina, a ‘celeste y blanca’, que viria tremular no arquipélago das Malvinas de 2 de abril a 13 de junho de l982. Em verdade, porém, a data de 2 de abril assinala, não propriamente o início da guerra e sim a reocupação militar platense – sem tiros ou troca de tiros, o que não configura, obviamente, um confronto de tropas - das ilhas descobertas pelo navegador italiano Américo Vespucio nada menos de l86 anos antes de o britânico John Strong, predador de faunas marinhas, ter anunciado sua passagem por lá. Foi Strong o autor da chancela de Falklands posta sobre aquelas ilhas - localizadas a uma distância praticamente imensurável de Londres, e não o avô do poeta Lord Byron, John Byron, a quem as Letras jurídicas impropriamente atribuem tal feito.
Assim, o conflito no Atlântico Sul iniciou-se dias após ter a primeira ministra Margaret Thatcher formalizado a declaração de guerra à Argentina ao subir à tribuna do parlamento já anunciando o envio de uma força-tarefa da Royal Navy, uma das unidades mais bem armadas da OTAN, Organização do Tratado do Atlântico Norte , ao arquipélago retomado pelos platenses sob o comando do tenente-general Leopoldo Galtieri, último militar a assumir o governo da Argentina logo após o golpe assestado nas instituições pelo tenente-general Jorge Rafael Videla, que apeara do poder Isabelita Perón.
A biografia de Isabel Martinez, que após casar-se com Juan Domingo Perón, além de acrescentar ao seu nome o dele, passou a chamar-se Isabelita nos círculos sociais e, de certo modo, também oficiais, teve uma vida bastante atribulada, fruto de sua inexperiência menos política do que de governabilidade. Como ex-atriz de teatro, não lhe foi difícil representar aos olhos, à percepção apressada de muitos até certo ponto, na vida real, a primeira mulher de Perón, Evita. Mas estava longe de parecer-se com ela. Esvaíra-se a época em que o peronismo, designativo emanado do Partido Justicialista, que foi fundado por Perón, havia conquistado as ruas, com Evita: uma nuvem a carregar uma estrela de brilho intenso, que passara.

Evita falava por ela mesma, influía nas decisões políticas e administrativas do presidente Perón. Por isso mesmo, era amada pelo povo, que a ela apunha toda sua confiança. Já Isabel, que concorrera às eleições de setembro de 1973 secundando a chapa encabeçada por Juan Domingo Perón, o qual morreria quase um ano depois, assumindo então o governo Isabelita, era como sombra do ministro do Bem Estar Social, José López Rega, que recebera o codinome ‘El Brujo’.
Em 1974, Maria Estela Martinez de Perón, sob a influência de ‘El Brujo’, nomeia o tenente general Jorge Rafael Videla comandante em chefe do Exército. Dava-lhe carta branca para fazer o que bem lhe aprouvesse. E Videla aplica o golpe de Estado dois anos depois. A partir daí, escurece o tempo na Argentina...
O país experimenta o mais sangrento terrorismo de Estado de que se teve notícia na América Latina e o Caribe, batendo o Brasil com sua longa ditadura da História recente em desaparecimentos políticos, sendo de mencionar “la noche de los lapices’, em que foram lançados de helicóptero ao mar estudantes secundaristas acusados de promover reuniões ‘subversivas’ na antiga Escola União, da cidade de La Plata, dos quais Pablo Diaz, único sobrevivente, testemunhou em juízo, mais tarde, o massacre.
Formavam a tríade do terror que empunhou ‘las riendas’ da Argentina naquele período o tenente general Videla, o almirante Emílio Massera e o brigadeiro Orlando Agosti. Sucedeu aos três, por assim dizer leões da neoarena romana o moderado, em relação àqueles, tenente general Leopoldo Galtieri, cujo ‘crime’ maior foi ter pretendido entrar para a História como quem houvesse resgatado a soberania da República Argentina sobre as ilhas originalmente chamadas Malouines, nome que lhes deram marinheiros franceses de Saint Malo, hoje uma das cidades turísticas mais visitadas da França e que no passado distante de ‘piratería’ britânica, expressão cunhada pela Real Academia de Espanha, foi a ‘pia batismal’ das ilhas Malvinas, que o reino de Elizabeth II teima agora em fazer, de novo, frente à Argentina na questão da soberania sobre o arquipélago austral.
Anglófilos do Brasil, seguindo a mesma linha de fascinação do argentino Martinez de Hoz, ministro da Economia na ‘guerra suja’ do pampa portenho, pela Grã-Bretanha, escreveram em colunas assinadas da imprensa louvores às ações da carcomida e bolorenta ‘rainha dos mares’ no Atlântico Sul. ‘Guisado’ de nações e etnias coloniais, a Grã-Bretanha não esqueceu de levar nesta sua vilegiatura bélica, como costumeiramente fazia em seu tempo de franca pirataria, uma guarnição de ‘gurkas’, africanos treinados especificamente para a degola de prisioneiros de guerra ou ‘inimigos’ nos confrontos corpo a corpo.
Assinando uma coluna semanal em Zero Hora, RS, o jurista, político, diplomata, membro da Academia Brasileira de Letras Afonso Arinos de Melo Franco defendeu durante a Guerra das Malvinas o direito ‘jus naturale’ inequívoco de ficarem aquelas ilhas sob bandeira platense. Ele se baseava, aprioristicamente, em factos e circunstâncias que cercavam as Malvinas desde sua origem – franco-espanhola. Lembrava, sobretudo, que a Grã-Bretanha remoia pretensões de domínio não apenas do petróleo existente nas Malvinas como também sobre a própria Antártida, situada a cavaleiro das ‘Isles Malouines’.
Isto posto, não há por que negar à Argentina retornar as vistas às ilhas que, de direito, lhe pertencem.
Cícero já dizia que os homens nasceram para a Justiça e que é na própria Natureza, não no arbítrio, que se funda o Direito.

Plis plas
· A presidenta Cristina Kirchner espera por uma resolução do Comitê das Nações Unidas de Descolonização sobre a velha questão das ilhas Malvinas, cujas raízes se aprofundam cada vez mais na Corte (histórica) de Paris. São mínimas as probabilidades de a ONU acolher o recurso platino, por ser este organismo internacional dominado pelo’guisado’ britânico cujo poder de veto é infalível.
· Da vez passada, supõe-se que até o martelo da Justiça – representada pela ONU - tenha desaparecido das mãos do magistrado. Por artes de berliques e berloques.
· Em 1764 a França inaugura uma base naval nas ‘Isles Malouines’, julgando estar garantindo seu domínio sobre elas. E não é que já no ano seguinte os piratas de SM a Rainha da Inglaterra vão lá e instalam a sua base?
· Presidenta, não tenha medo dos gurkas! Também eles precisam ser descolonizados...
· Os kelpers, quer dizer algas marinhas, como são chamados os habitantes das Malvinas, só deixaram de ser ‘cidadãos de segunda classe’ depois de terem os ingleses saído vitoriosos do conflito em nosso Atlântico.
· Somente desse modo puderam os kelpers subir um grau na hierarquia britânica. Foram a súditos da Rainha Elizabeth II.
· De Lord Byron: ‘O melhor profeta do mundo é o passado’.

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