Hora de um pacto cívico*
Jornal do Commercio, Opinião, edição de 1° set. 1993, Fernando Henriques Gonçalves
Oficialmente, as manobras militares norteamericanas na divisa da Guiana com o Brasil, a Venezuela e o Suriname, na Floresta Amazônica, iniciaram-se a 26 de abril deste ano (1993). Em 15 de maio, O Globo publicava sob a manchete “EUA fazem manobras na fronteira” que, segundo observadores do Suriname, Washington estaria preparando a Guiana (sic) “para servir de base militar estratégica para os próximos 30 anos". As fontes de O Globo chegaram a ser alcunhadas de “vivandeiras de papel”.
Em 9 de junho saía a revista Veja trazendo no alto da página, na coluna de Ancelmo Góis, Radar, a seguinte nota: “Tropas do Exército americano já dei xaram a Guiana Inglesa, onde se exercitaram pela primeira vez na selva amazônica. Os EUA já pediram nova autorização ao presidente Cheddi Jaggan (da Guiana) para desembarcar (ainda em 1993) 250 soldados em julho e 750 em novembro – véspera das eleições na Venezuela. Cresce o número de estrategistas militares que desconfiam que os militares americanos resolveram trocar o Panamá pela Guiana como posto avançado na América Latina”.
O colunista da Veja estava muito bem informado. De fato, em julho, o Exército dos EUA realiza seu segundo treinamento regular na selva amazônica, do lado guianense. Em 25 de junho, na seção Vida Militar, o Correio Braziliense noticiara que se tornariam periódicas as manobras dos EUA em território guianense, numa área fronteiriça ao Estado de Roraima e à Venezuela. E que os países amazônicos viam “com preocupação” estas operações.
Em 10 de agosto, reunido no Palácio do Planalto, o Conselho de Defesa Nacional
aprova a criação de uma rede aeroflorestal de investigações, por radares, com o nome de Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) a fim de dar consistência ao projeto Calha Norte e ampliar-lhe o raio de ação. Ante a evidência da penetração norteamericana na Floresta Amazônica a pretexto de combate ao narcotráfico e de defesa dos índios (vários já falando inglês, ensinado por missionários, escondendo Washington a intenção de consolidar posições de domínio sobre quase 60 por cento (5 milhões de quilômetros quadrados) do nosso território, Brasília emite comunicado, ao término da reunião do Conselho de Defesa Nacional, em que deixa claro que “o controle da Amazônia brasileira é da alçada soberana do Brasil”.
O recado é para os Estados Unidos da América e, extensivamente, para a Organização das Nações Unidas (ONU), agora sob sua liderança praticamente absoluta, não existindo mais União Soviética. De uma correspondência de Sonia Mossri, de Brasília, publicada a 11 de agosto na Folha de S. Paulo: “A preocupação dos militares brasileiros com a declaração dos direitos indígenas se prende ao uso da palavra ‘nação’ no documento em discussão na ONU. Sob pressão de algumas ONGs (Organizações Não-Governamentais), a ONU estaria propensa a aceitar que a palavra fosse usada como sinônimo de reservas indígenas.Os militares temem que, definidas como nações, as comunidades indígenas fujam do conceito de soberania nacional, transformando-se em territórios internacionais”Estaria, assim, consumada a Internacionalização da Amazônia, uma idéia antiga que nem a aura de “pulmão do mundo” que cingira por longos anos uma floresta tropical úmida deixou de ser ruminada. Seus patrocinadores reonheceram uma verdade científica, a de que a floresta tem a peculiaridade de consumir a própria matéria orgânica que produz, mas não se deram por vencidos no núcleo colimado da questão. Mudando de tática, passaram a manipular o indigenismo como instrumento de cerco imperialista a uma potência que há muito se desenha no mapa da Iberoamérica: Brasil.
Acrescente-se que os mencionados grupos de pressão sobre a ONU escamoteiam justamente o disposto no art.231,§ 5°, da Constituição brasileira, que veda a remoção de grupos indígenas de suas terras, “salvo (...) no interesse da soberania do país”. Isto significa que, na hipótese de a ONU vir a conceder status de nação a nossas reservas indígenas, poderá o governo brasileiro, ouvido o seu parlamento, aplicar aquela ressalva constitucional. Amparado, inclusive, no art. 2°, § 7°da Carta das Nações Unidas, pelo qual nenhum dos dispositivos nela contidos autoriza a intervenção da Corte Internacional de Justiça “em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado”. Em outras palavras, acha-se a ONU impedida pela sua própria Carta de emancipar – pacificamente – do Estado brasileiro terras, em verdade, menos do índio que do branco alienígena que as vêm explorando décadas a fio. O produto em valores dessa atividade clandestina perante as leis do pais espoliado e normal ao espoliador talvez já exceda ao montante da dívida externa brasileira. Uma dívida que Margareth Thatcher, ao deitar-se nos louros da vitória anglonorteamericana sobre a Argentina, na Guerra das Malvinas, sugeriu fosse paga a peso e na forma de riquezas do Brasil. Com a entrega de vez da Amazônia a novos colonizadores.
Em Brasília, dois dias após a aprovação do Sivam, altos oficiais do Ministério do Exército, a seu pedido, fizeram reservadamente para a Comissão de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados uma exposição detalhada da presença militar norteamericana nas vizinhanças da Amazônia brasileira. A Embaixada dos EUA em Brasília não nega essa presença: esforça-se por justificá-la como voltada a “ações cooperativas”.
Em cooperação com quem? – perguntam-se os militares brasileiros dentro de um nova realidade, preocupados com a extrema vulnerabilidade das fronteiras nacionais face a sucessivos cortes no orçamento das três Armas por uma classe política que precisa despertar enquanto é tempo. A hora exige de todas as agremiações político-partidárias do país, e de outras forças internas, que selem um pacto cívico pelo qual cada cidadão se faça defensor da integridade do seu solo.
Quem irá querer conviver com o Comando Sul a marchar sobre a Amazônia? Pelo tratado Torrijos-Carter, de 7 de setembro de 1987, a bandeira norte-americana sobre a Zona do Canal do Panamá deverá ser trocada pela panamenha ao meio-dia de 31 de dezembro de 1999, nas portadas do 3° milênio. Contam-se nos dedos os anos que faltam para a pretendida colocação da Guiana sob a bandeira dos Estados Unidos. (*)
P.S. – Este artigo foi escrito na véspera do anúncio do estranho massacre de ianomamis não apenas na fronteira com a Venezuela mas também com Guiana, e dias antes da criação de um ministério para a Amazônia.
(*)Ao término de 1999, tal como fora acordado em 1987 por Carter e Torrijos, o Comando Sul, sobre o Canal do Panamá, deixava de existir, sendo transferida aquela base militar – centro de formação de ditadores durante anos – para o Fort Benning, em Columbus, na Geórgia.
Jornal do Commercio, Opinião, edição de 1° set. 1993, Fernando Henriques Gonçalves
Oficialmente, as manobras militares norteamericanas na divisa da Guiana com o Brasil, a Venezuela e o Suriname, na Floresta Amazônica, iniciaram-se a 26 de abril deste ano (1993). Em 15 de maio, O Globo publicava sob a manchete “EUA fazem manobras na fronteira” que, segundo observadores do Suriname, Washington estaria preparando a Guiana (sic) “para servir de base militar estratégica para os próximos 30 anos". As fontes de O Globo chegaram a ser alcunhadas de “vivandeiras de papel”.
Em 9 de junho saía a revista Veja trazendo no alto da página, na coluna de Ancelmo Góis, Radar, a seguinte nota: “Tropas do Exército americano já dei xaram a Guiana Inglesa, onde se exercitaram pela primeira vez na selva amazônica. Os EUA já pediram nova autorização ao presidente Cheddi Jaggan (da Guiana) para desembarcar (ainda em 1993) 250 soldados em julho e 750 em novembro – véspera das eleições na Venezuela. Cresce o número de estrategistas militares que desconfiam que os militares americanos resolveram trocar o Panamá pela Guiana como posto avançado na América Latina”.
O colunista da Veja estava muito bem informado. De fato, em julho, o Exército dos EUA realiza seu segundo treinamento regular na selva amazônica, do lado guianense. Em 25 de junho, na seção Vida Militar, o Correio Braziliense noticiara que se tornariam periódicas as manobras dos EUA em território guianense, numa área fronteiriça ao Estado de Roraima e à Venezuela. E que os países amazônicos viam “com preocupação” estas operações.
Em 10 de agosto, reunido no Palácio do Planalto, o Conselho de Defesa Nacional
aprova a criação de uma rede aeroflorestal de investigações, por radares, com o nome de Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) a fim de dar consistência ao projeto Calha Norte e ampliar-lhe o raio de ação. Ante a evidência da penetração norteamericana na Floresta Amazônica a pretexto de combate ao narcotráfico e de defesa dos índios (vários já falando inglês, ensinado por missionários, escondendo Washington a intenção de consolidar posições de domínio sobre quase 60 por cento (5 milhões de quilômetros quadrados) do nosso território, Brasília emite comunicado, ao término da reunião do Conselho de Defesa Nacional, em que deixa claro que “o controle da Amazônia brasileira é da alçada soberana do Brasil”.
O recado é para os Estados Unidos da América e, extensivamente, para a Organização das Nações Unidas (ONU), agora sob sua liderança praticamente absoluta, não existindo mais União Soviética. De uma correspondência de Sonia Mossri, de Brasília, publicada a 11 de agosto na Folha de S. Paulo: “A preocupação dos militares brasileiros com a declaração dos direitos indígenas se prende ao uso da palavra ‘nação’ no documento em discussão na ONU. Sob pressão de algumas ONGs (Organizações Não-Governamentais), a ONU estaria propensa a aceitar que a palavra fosse usada como sinônimo de reservas indígenas.Os militares temem que, definidas como nações, as comunidades indígenas fujam do conceito de soberania nacional, transformando-se em territórios internacionais”Estaria, assim, consumada a Internacionalização da Amazônia, uma idéia antiga que nem a aura de “pulmão do mundo” que cingira por longos anos uma floresta tropical úmida deixou de ser ruminada. Seus patrocinadores reonheceram uma verdade científica, a de que a floresta tem a peculiaridade de consumir a própria matéria orgânica que produz, mas não se deram por vencidos no núcleo colimado da questão. Mudando de tática, passaram a manipular o indigenismo como instrumento de cerco imperialista a uma potência que há muito se desenha no mapa da Iberoamérica: Brasil.
Acrescente-se que os mencionados grupos de pressão sobre a ONU escamoteiam justamente o disposto no art.231,§ 5°, da Constituição brasileira, que veda a remoção de grupos indígenas de suas terras, “salvo (...) no interesse da soberania do país”. Isto significa que, na hipótese de a ONU vir a conceder status de nação a nossas reservas indígenas, poderá o governo brasileiro, ouvido o seu parlamento, aplicar aquela ressalva constitucional. Amparado, inclusive, no art. 2°, § 7°da Carta das Nações Unidas, pelo qual nenhum dos dispositivos nela contidos autoriza a intervenção da Corte Internacional de Justiça “em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado”. Em outras palavras, acha-se a ONU impedida pela sua própria Carta de emancipar – pacificamente – do Estado brasileiro terras, em verdade, menos do índio que do branco alienígena que as vêm explorando décadas a fio. O produto em valores dessa atividade clandestina perante as leis do pais espoliado e normal ao espoliador talvez já exceda ao montante da dívida externa brasileira. Uma dívida que Margareth Thatcher, ao deitar-se nos louros da vitória anglonorteamericana sobre a Argentina, na Guerra das Malvinas, sugeriu fosse paga a peso e na forma de riquezas do Brasil. Com a entrega de vez da Amazônia a novos colonizadores.
Em Brasília, dois dias após a aprovação do Sivam, altos oficiais do Ministério do Exército, a seu pedido, fizeram reservadamente para a Comissão de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados uma exposição detalhada da presença militar norteamericana nas vizinhanças da Amazônia brasileira. A Embaixada dos EUA em Brasília não nega essa presença: esforça-se por justificá-la como voltada a “ações cooperativas”.
Em cooperação com quem? – perguntam-se os militares brasileiros dentro de um nova realidade, preocupados com a extrema vulnerabilidade das fronteiras nacionais face a sucessivos cortes no orçamento das três Armas por uma classe política que precisa despertar enquanto é tempo. A hora exige de todas as agremiações político-partidárias do país, e de outras forças internas, que selem um pacto cívico pelo qual cada cidadão se faça defensor da integridade do seu solo.
Quem irá querer conviver com o Comando Sul a marchar sobre a Amazônia? Pelo tratado Torrijos-Carter, de 7 de setembro de 1987, a bandeira norte-americana sobre a Zona do Canal do Panamá deverá ser trocada pela panamenha ao meio-dia de 31 de dezembro de 1999, nas portadas do 3° milênio. Contam-se nos dedos os anos que faltam para a pretendida colocação da Guiana sob a bandeira dos Estados Unidos. (*)
P.S. – Este artigo foi escrito na véspera do anúncio do estranho massacre de ianomamis não apenas na fronteira com a Venezuela mas também com Guiana, e dias antes da criação de um ministério para a Amazônia.
(*)Ao término de 1999, tal como fora acordado em 1987 por Carter e Torrijos, o Comando Sul, sobre o Canal do Panamá, deixava de existir, sendo transferida aquela base militar – centro de formação de ditadores durante anos – para o Fort Benning, em Columbus, na Geórgia.
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