terça-feira, 24 de agosto de 2010

A Guerra das Malvinas

Um reino visto dos aposentos






“No habrá paz definitiva si se vueve al status colonial” – Leopoldo Galtieri.




Esperava-se que em setembro de 1982, a quatro meses do sesquicentenário da ocupação das Malvinas e seus departamentos – as Geórgias e as Sanduich do Sul – por piratas antevitorianos e que não faria muito sentido celebrar, tendo estas ilhas voltado para domínio platense por um período embora curto: de 2 de abril até 13 de junho, véspera de nova troca de bandeira, a República Argentina conseguisse a inclusão proposta pelo México de ‘vieja querella’ com o Reino Unido em mais uma rodada de trabalhos da Assembléia Geral da ONU. Ainda que sabendo-se que dali por diante a Argentina, recém-saída de uma derrota militar, pelo menos por algum tempo teria praticamente reduzidas a zero as possibilidades de um desfecho em tal instância que correspondesse de facto aos interesses de seu povo e, extensivamente, das demais nações latino-americanas.

A circunstância de ter aquela ação no Atlântico Sul partido de um sistema castrense então mal das pernas, sabidamente lesivo a direitos humanos – tortura, extermínio, desaparecimentos políticos – facilitou a muitos articulistas e/ou editorialistas uma inclinação ostensiva, alienada, alienante, na imprensa brasileira, para o lado europeu, o colonialista, tido como o civilizado, para uma “velha aliança” em assuntos de guerra e de petróleo – anglo-norte-americana.

Ainda no governo platense do general Jorge Rafael Videla, seguindo instruções ou diretrizes traçadas pelo grande latifundiário e anglófilo Martinez de Hoz, foram feitas discretas concessões a uma transnacional para exploração de lençóis de petróleo na plataforma marítima da Argentina. E pouco antes de rebentar o conflito com a Grã-Bretanha um advogado especialista em assuntos energéticos, Adolfo Silenzi de Stagni, lançava o seu livro Las Malvinas y el Petróleo, ed. El Cid, nele denunciando a iminência da entrega das riquezas sedimentares platenses aos ingleses e seus aliados naturais, a começar pela privatização da Yacimientos Petrolíferos Fiscales (equivalente à Petrobras) em troca do direito de a ‘celeste y blanca’ tremular sobre as Falklands. Isto, para kelper ver. Não demorou, o tenente-general Leopoldo Galtieri entornava o caldo... Pela primeira vez na história da repressão argentina a Coroa britânica, fora dos aposentos da Rainha, quer dizer, publicamente, passa a considerá-lo um déspota.

Acontece a I Guerra das Malvinas: os ingleses no ataque, o submarino atômico Conqueror, sob o comando de Christopher Brown, acertando em cheio e à margem da zona de guerra o cruzador Belgrano; os argentinos no contra-ataque, na defensiva. E decorridos cinco dias da rendição das tropas do general Menéndez a uma das forças-tarefas da OTAN, a da Royal Navy, na capital das ilhas (por imposição das armas, de novo Falklands), ou seja, às 14 horas de 19 de junho, helicópteros britânicos atacavam e tomavam a estação científica Corveta Uruguai, assim denominada em honra dos tripulantes da embarcação utilizada para o resgate do sueco Otto Nordenskijold, um dos expedicionários de nacionalidades várias, a maioria predadores da fauna marinha, tendo sido este o caso de muitos ingleses e norte-americanos a passarem por lá, a desafiarem o clima e a topografia hostis, a terminarem dando-se por vencidos - no ponto culminante do Arco Antilhano Austral.

É, ou foi, uma base de observações e pesquisas para fins pacíficos, de preferência na área meteorológica, que a República Argentina inaugurava oficialmente a 18 de março de1977 (instalara-a em 1976) numa ilhota por nome Morell, uma das três do grupo Thule, de um total de onze de que se compõe o acidentadíssimo arquipélago das Sanduich do Sul, isso, quase 1 ano após a deposição de Isabelita Perón e do conseqüente advento de um regime triunviral, com substituições de anéis no seu fluxo cronológico, até à retirada também dos dedos (exceto o da CIA), já em razão da queda do presidente Leopoldo Galtieri cujas causas não estão bem esclarecidas: sabe-se que o general rebelde, ou aventureiro, perdeu a guerra, ou algumas batalhas, no Atlântico Sul, porém o facto que mais pesou na balança foi o de ter ele perdido para sempre a confiança de Washington. Pragmaticamente, fizera-se nacionalista. Para a CIA, para o Pentágono, a mesma coisa que ser comunista.

Do confortável ainda que não de todo relaxante nº 10 de Downing Street, a um tempo residência da primeira-ministra e QG do governo do Reino Unido, Margaret Thatcher, a Dama de Ferro, manda notificar os terceiro-mundistas de que os argentinos de Thule do Sul não ofereceram qualquer tipo de resistência. O comunicado britânico sobre mais essa operação somente não mencionou entrega de armas pelo ‘inimigo’ a fim de constar no inventário do ‘espólio de guerra’ das Malvinas, o qual incluiria mísseis Exocet (segundo Londres) e outros engenhos de igual ou menor valor – utilizáveis em futuras incursões e até então camuflados pela resistência platense. Os dez ou onze homens da estação científica Corveta Uruguai estavam desarmados; o que empunhavam eram bandeiras com pombas de Picasso...

Entrementes, logo a técnica da desinformação, que dá o inteligente respaldo à diplomacia do ‘big stick’, foi mais uma vez aplicada em nosso continente, com a divulgação de que aqueles que se achavam a postos em Thule do Sul eram militares, e ponto final. Uma forma de insinuação de que seriam não técnicos em assuntos de meteorologia e/ou hidrográficos – a quase totalidade viera da Marinha, um da Força Aérea, nenhum do Exército, e sim uma parcela recuada do efetivo que estivera subordinado ao general Menéndez, como o grosso da tropa, sem outra missão que não fosse defender palmo a palmo das forças colonialistas aquelas ilhas enquanto em poder dos argentinos.

Igual técnica funcionou de modo a atribuir a fontes militares de Buenos Aires e com o intuito óbvio, não de comprometer o reino de Elizabeth mas de expor ao ridículo uma república sul-americana, versões como a de que os ingleses que tomaram as Sandwich do Sul, desembarcando em Morell, o fizeram atirando nos argentinos em serviço nessa ilha, quando o comunicado emitido dia 20 pelo Estado-Maior conjunto indicava que vinte minutos após terem sobrevoado a estação “helicópteros britânicos iniciaram um ataque com metralhadoras”, sem especificar alvos. Dava, contudo, a entender que o ataque, como não poderia deixar de ser, fora para intimidar. Sem que impusesse o sacrifício de vidas humanas, para evacuar o local – espécie de capital do terceiro arquipélago (re)conquistado para uma Coroa distante 15 mil Km do teatro de operações do Atlântico Sul e reproclamado Departamento das Ilhas Falklands, como as Geórgias, pela sra. Thatcher.

Tecnicamente e a nível já de terrorismo, a guerra prosseguiu, com a retenção de oficiais argentinos na virtual condição de reféns, objetivando em princípio algo mais que uma suspensão de hostilidades. Acrescente-se a capitulação da Argentina na batalha diplomática pela soberania sobre as Ilhas Malvinas (Saint Malo, nome original das ilhas, dado por marinheiros franceses séculos antes de os ingleses velejarem por lá), há muitos anos ferindo-se no marco das Nações Unidas e tão ou mais desleal que a que sepultou jovens dos dois lados em águas e terras atlânticas, é dizer, das antigas Províncias Unidas do rio da Prata. Como não estava sendo fácil alimentar algumas centenas de prisioneiros, tanto mais por serem eles oficiais, a briosa Inglaterra, com milhões de desempregados como o plebeu que foi dar com os costados nos aposentos da Rainha, teve o seu repente de lucicez ao libertar os reféns para que comessem em casa – às custas de uma república mergulhada na pior crise de sua história, porém auto-suficiente em grãos, carne e petróleo, ao contrário do reino de Elizabeth, cuja auto-suficiência resume-se nas libras da burra de seus banqueiros.

Nem ao governo brasileiro os artífices da desinformação pouparam.

Desinformação é...

Entende-se por ato de copidescar (de copy desk) textos à mão – a.i, ao tempo da máquina de escrever, da linotipo e, bem atrás, das caixas de tipógrafo.

Em nota distribuída pelo Itamaraty dois dias após a rendição de facto e formal argentina no arquipélago conflagrado e que, pelos termos claros, precisos e incisivos, dispensava o copy, tanto mais por encerrar, ou esgotar, a própria notícia, acabou sendo esvaziada, deliberada ou irrefletidamente, por boa parte de nossa imprensa: alguns órgãos, tidos como incondicionalmente voltados para os superiores interesses de nosso país surpreenderam pela parcialidade do material que divulgaram acerca do conflito no Atlântico Sul colocando-se durante todo o seu desdobrar à sombra e do lado da Union Jack, aquela mesma desfraldada por duas vezes em nossa pacata Ilha de Trindade, com a proverbial arrogância que cunhara a idade de ouro da pirataria – o arreio do ‘seahorse’ do Partido Conservador britânico.

C r o no l o g i a

1. Em 1767, um ano depois de estabelecer (clandestinamente) Port Egmont no lado ocidental das Malouines, tal como os primeiros exploradores das ilhas em questão, os franceses, as tinham nomeado ao se fixarem na parte oriental, isso em 1764, a Inglaterra, que ameaçava, então, assenhorear-se do arquipélago, é interceptada pela Espanha. Esta, já com os seus direitos reconhecidos pela Corte de Paris sobre o porto fundado por Louis de Boungainville e de quem recebera o nome. Tratava-se de Port Louis, na ilha que os espanhóis denominaram Soledad.

2. Em 1771 a Espanha restitui Port Egmont (suas instalações) aos fundadores desse terminal de comércio e navegação, ante os reclamos de pequena colônia que se formara nos arredores. Passam-se, porém, três anos e, tendo-se convencido de que nem árvore que desse madeira para cachimbo crescia por aqueles fins de mundo, a Inglaterra abandona o lugar, sai de cena. Cai o pano mas não tardou a subir de novo, dessa vez para um longo ato, que se estenderia por 34 anos, com 19 espanhóis sucedendo-se no papel principal, o de governador das Malvinas. Dentro desse período, em 1806, a Inglaterra lança um ataque sobre Buenos Aires, e coube a um francês, Santiago de Liniers, comandar a expulsão da turba invasora. Outros sacos de pipocas estouram na platéia até se organizarem as Províncias Unidas do rio da Prata, que afirmam seus direitos legítimos, provenientes de uma herança espanhola, sobre as Malvinas, com a entrada em cena, em 1820, de uma fragata chamada Heroína. Assim foi que nesse mesmo ano assumia o primeiro governador platense daquelas ilhas: Daniel Jewitt, que já no ano seguinte era substituído por Guilhermo Mason.

3. Em 31 de dezembro de 1831 a corveta norte-americana Lexington aportava do lado oriental das Malvinas, com bandeira francesa para despistar. O comandante, Silas Ducan, com seus homens, logo depois de render o destacamento local passou a destruir, a incendiar tudo que encontrava pela frente, inclusive residências de civis. Queria a cabeça do argentino Luis Vernett, acusado de fazer o mesmo que os ingleses faziam e oficialmente: pirataria, e que sucedera na década anterior a Pablo Araguati no cargo de governador das ilhas, tendo-se destacado como defensor da preservação dos leões marinhos e de outras espécies ameaçadas por navegadores piratas. Ducan acaba arrastando para sua corveta um punhado de colonos e outro de escravos.

4. A 3 de janeiro de 1833, valendo-se do que os norte-americanos haviam feito lá dois anos atrás, os ingleses tomam de assalto o arquipélago, descem a ‘celeste y blanca’ e destituem José Piñedo, sexto governador das antigas Malouines; Falklands é pura invenção de descobridores daquilo que fora descoberto por Américo Vespucio 186 anos antes da descoberta por John Strong. De parceiros já no ocaso do século XX da direita estadunidense, no governo de Ronald Reagan. Acrescente-se que a Guerra das Malvinas foi declarada em 1982 por Margaret Thatcher, a ‘Dama de Ferro’, da tribuna do parlamento britânico, indignada com a ocupação das ilhas de frente para a Antártida por tropas do tenente-general Leopoldo Galtieri. A inglaterra contou com o apoio logístico dos Estados Unidos e do Chile de Pinochet, além da OTAN, que lhe deu todo o suporte de que necessitava para vencer um país da América Latina que surpreendeu com os seus Exocet, adquiridos na França. Ainda hoje, não têm sido poucos os brasileiros e outros cidadãos da própria América Latina que, por ignorância na interpretação de factos históricos, atribuem ao último dos presidentes a fechar o ciclo ditatorial na Argentina a culpa pela guerra no Atlântico Sul. Começam por ignorar, quem sabe deliberadamente, o dedo, não da CIA mas da TFP (Tradição, Família e Propriedade) no petróleo que motivara o conflito austral de 82. Periódicos argentinos, entre eles o La Nación,” publicaram como matéria paga extensos artigos da TFP portenha dirigidos a Galtieri fazendo-lhe ver o “mal supremo” que seria chegar ao comunismo através de uma escalada de valores patrióticos.

5. Em 1965, a Assembléia Geral das Nações Unidas cria o Comitê de Descolonização, alcançando as Falklands/Malvinas; a Grã-Bretanha empina o nariz e, seis anos depois, inicia missões especiais de reconhecimento das riquezas da plataforma marítima do arquipélago, sobre as quais o Foreigh Office procurava, se não guardar certo sigilo, espalhar pelo mundo de comum acordo com a comunidade de informação dos Estados Unidos, que seria leviandade pretender-se extrair petróleo em quantidades, por exemplo, que compensassem investimento de lordes numa cadeia de 12 mil quilômetros quadrados de brejos e rochas.

6. A 2 de abril de 1982 a Argentina resgata as suas Malvinas, não por meio pacífico, visto que por este meio haviam fracassado todas as tentativas de um justo consenso no foro competente, o da ONU, a Inglaterra a brandir sempre o seu poder de veto e de persuasão, além de gestões diplomáticas anteriores a 1965, mas recorrendo às armas, recurso idêntico ao utilizado pelo Reino Unido para tomar, 149 anos atrás, as ilhas dos platenses, aquelas que à luz ainda que bruxuleante do Direito Internacional lhes pertenciam. Acrescente-se que o destacamento inglês dito de elite encontrava-se em Port Stanley, que viria a chamar-se depois Puerto Argentino. Tal destacamento, em relação à superioridade numérica dos portenhos, antes de render-se à evidência cristalina de uma reconquista, abria fogo em nome da Rainha, causando a única baixa do 2 de Abril de que se teve notícia entre os desembarcados, e deixando

alguns feridos.

7. E enquanto os ingleses tentavam por todos os meios e modos quebrar a resistência dos argentinos, usando até bombas de fragmentação – guerra suja em Goose Green: aviões anfíbios estadunidenses decolavam do nosso Amazonas carregados de ouro e outros minérios desviados das minas exploradas pela Companhia Paranapanema. A denúncia partiu da Câmara Municipal de novoAirão e teve grande repercussão, à época, na Amazônia.



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