quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O jogo das parecenças


Já na Guerra do Paraguai (1864-70) se falava em armas biológicas, e o assunto virou polêmica à época. Enfim, as guerras se sucedem, dos bacamartes aos mísseis que vimos ainda no século xx pela tevê – explodir impiedosos sobre Bagdá, sobre a História da Humanidade. Uma ‘noite de São Bartolomeu’ acionada em computadores... Antes, porém, o presidente George W. Bush sendo penteado por trás pelo câmera a fim de apresentar-se aos telespectadores com o cabelo em boa forma e com a presunção, diga-se pelo caminho, de assemelhar-se a Robert Taylor na co-produção EUA-URSS Canção da Rússia ainda que uma vez na vida. Mas ninguém poderia imaginar que aquele filme fosse tornar-se prenúncio de uma Guerra Fria tocada a manivela com fole pelo senador Joseph McCarthy e suas implicações em Sing-Sing, com a execução dos cientistas Julius e Ethel Rosenberg na cadeira elétrica, acusados de passar segredos nucleares a Moscou.
Joga-se damas na praça da Cruz Vermelha, xadrez, bombas inteligentes em círculos pelos céus do Oriente Próximo, o Sou Eu – mais apropriado a moças em noite de chuva no Engenho do Mato, o jôgo da velha, o do encouraçado, bisca, o jogo de malha em terreiro de antigas fazendas de café, e por aí vai. Esqueceram-se foi do jogo das parecenças.
E em que consiste este jogo? Muito simples: pega-se, para começar, duas figuras de combatentes, com ou sem estrelas nos ombros, ou mesmo duas peças de qualquer coisa que as representem, só não valendo caroços de feijão ou de milho, que podem
escorregar para debaixo da mesa.
Feito isso, inicia-se o jogo, dele participando de duas a seis pessoas – dependendo da capacidade da mesa. E o objetivo é avaliar os conhecimentos de cada uma delas em guerras mundiais. A partir da II Grande Guerra – a guerra de países aliados ocidentais contra a Alemanha nazis, a Itália de Mussoline, o Japão de Hiroíto, e o conflito baseado em Moscou, paralelo ao das tropas sob o comando de Eisenhower, ou seja, o nomeado por Stalin como a Grande Guerra Patriótica. Ironicamente, ou sem nenhuma ironia, a primeira a atingir solo do Reichstag, quando faz a troca da Suástica pela bandeira da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, nela pontificando a foice e o martelo – símbolo de um mundo em construção.
Querem um exemplo de como se joga o parecenças/ Vamos lá. Inicia-se, cada jogador, fazendo de conta estar formando cartas de um mesmo naipe, abertas para seu rosto, às escondidas, portanto, do adversário. As cartas irreais são figurinhas de combatentes de guerra, oficiais de cavalaria, marechais de campo, tropas de elite das SS etc, cotejados com militares de Norteamérica do século XXI cuja altivez se reflete em suas minúsculas lentes oculares, o toque de elegância de oficiais da Gestapo, De resto, será só comparar a figura de um Donald Rumsfeld, secretário da Defesa dos Estados Unidos na gestão do presidente George W. Bush a algum dos oficiais das SS. Bush cobriu de elogios a Rumsfeld, terminada a 2ª ou 3ª Guerra do Golfo (houve tantas guerras assim no Golfo Pérsico ou as inventaram? a ponto de aquele presidente dizer que
até pelos olhos ele, Rumsfeld, irradiava confiança e simpatia... De todo modo, um figuraço a cair como uma luva para o jogo das parecenças; não acham?



*plis plas
O Brasil guarda luto por três dias juntamente com os demais países da América Latina, irmanados no clima de consternação que baixou inesperadamene sobre nosso continente Sul pelo falecimento do ex- presidente da República Argentina, Néstor Kirshner, uma voz que se cala em defesa inflexível do projeto de integração latino-americana. E que se fará ouvir, em pensamento, sempre que dela necessitarem os povos irmãos ibero-americanos.

*O Instituto Latino-Americano de Cultura Ilac-Brasil, entidade civil sem fins lucrativos, com sede no Rio de Janeiro, fundado em 25 de outubro de 1985 sob a presidência de honra do general e historiador Nelson Werneck Sodré, tendo como patrono o poeta Pablo Neruda, associa-se às homenagens que estão sendo prestadas de todas as partes do mundo à memória de Néstor Kirshner.

O Ilac-Brasil vem, ainda, solicitar ao gabinete civil da Casa Rosada que faça chegar à Senhora Presidenta Cristina Fernández de Kirshner as mais sentidas manifestações de pesar pelo vazio que se abre no cenário político intercontinental.

Néstor Kirshner morre aos 60 anos. Advogado, abandonou a banca para dedicar-se à política, e o fez como se lhe tivesse o eleitorado conferido uma honraria. Pautava seus atos nos princípios do Direito. Por este diapasão, acolheram-no com as honras de um estadista voltado aos interesses de s eu povo e da agremiação política que escolhera e à qual manteve-se fiel em seus dias. Casado com Cristina Fernández, agora na chefia do governo da Argentina, a quem conheceu em um comício político dos peronistas, a partir daí estavam sempre juntos dentro e fora do palanque.





sábado, 16 de outubro de 2010

Presidenta, não tenha medo dos gurkas!


Em 20 de junho de 1820 morre em Buenos Aires o general Manuel Belgrano, herói nacional, quem criou a bandeira da República Argentina, a ‘celeste y blanca’, que viria tremular no arquipélago das Malvinas de 2 de abril a 13 de junho de l982. Em verdade, porém, a data de 2 de abril assinala, não propriamente o início da guerra e sim a reocupação militar platense – sem tiros ou troca de tiros, o que não configura, obviamente, um confronto de tropas - das ilhas descobertas pelo navegador italiano Américo Vespucio nada menos de l86 anos antes de o britânico John Strong, predador de faunas marinhas, ter anunciado sua passagem por lá. Foi Strong o autor da chancela de Falklands posta sobre aquelas ilhas - localizadas a uma distância praticamente imensurável de Londres, e não o avô do poeta Lord Byron, John Byron, a quem as Letras jurídicas impropriamente atribuem tal feito.
Assim, o conflito no Atlântico Sul iniciou-se dias após ter a primeira ministra Margaret Thatcher formalizado a declaração de guerra à Argentina ao subir à tribuna do parlamento já anunciando o envio de uma força-tarefa da Royal Navy, uma das unidades mais bem armadas da OTAN, Organização do Tratado do Atlântico Norte , ao arquipélago retomado pelos platenses sob o comando do tenente-general Leopoldo Galtieri, último militar a assumir o governo da Argentina logo após o golpe assestado nas instituições pelo tenente-general Jorge Rafael Videla, que apeara do poder Isabelita Perón.
A biografia de Isabel Martinez, que após casar-se com Juan Domingo Perón, além de acrescentar ao seu nome o dele, passou a chamar-se Isabelita nos círculos sociais e, de certo modo, também oficiais, teve uma vida bastante atribulada, fruto de sua inexperiência menos política do que de governabilidade. Como ex-atriz de teatro, não lhe foi difícil representar aos olhos, à percepção apressada de muitos até certo ponto, na vida real, a primeira mulher de Perón, Evita. Mas estava longe de parecer-se com ela. Esvaíra-se a época em que o peronismo, designativo emanado do Partido Justicialista, que foi fundado por Perón, havia conquistado as ruas, com Evita: uma nuvem a carregar uma estrela de brilho intenso, que passara.

Evita falava por ela mesma, influía nas decisões políticas e administrativas do presidente Perón. Por isso mesmo, era amada pelo povo, que a ela apunha toda sua confiança. Já Isabel, que concorrera às eleições de setembro de 1973 secundando a chapa encabeçada por Juan Domingo Perón, o qual morreria quase um ano depois, assumindo então o governo Isabelita, era como sombra do ministro do Bem Estar Social, José López Rega, que recebera o codinome ‘El Brujo’.
Em 1974, Maria Estela Martinez de Perón, sob a influência de ‘El Brujo’, nomeia o tenente general Jorge Rafael Videla comandante em chefe do Exército. Dava-lhe carta branca para fazer o que bem lhe aprouvesse. E Videla aplica o golpe de Estado dois anos depois. A partir daí, escurece o tempo na Argentina...
O país experimenta o mais sangrento terrorismo de Estado de que se teve notícia na América Latina e o Caribe, batendo o Brasil com sua longa ditadura da História recente em desaparecimentos políticos, sendo de mencionar “la noche de los lapices’, em que foram lançados de helicóptero ao mar estudantes secundaristas acusados de promover reuniões ‘subversivas’ na antiga Escola União, da cidade de La Plata, dos quais Pablo Diaz, único sobrevivente, testemunhou em juízo, mais tarde, o massacre.
Formavam a tríade do terror que empunhou ‘las riendas’ da Argentina naquele período o tenente general Videla, o almirante Emílio Massera e o brigadeiro Orlando Agosti. Sucedeu aos três, por assim dizer leões da neoarena romana o moderado, em relação àqueles, tenente general Leopoldo Galtieri, cujo ‘crime’ maior foi ter pretendido entrar para a História como quem houvesse resgatado a soberania da República Argentina sobre as ilhas originalmente chamadas Malouines, nome que lhes deram marinheiros franceses de Saint Malo, hoje uma das cidades turísticas mais visitadas da França e que no passado distante de ‘piratería’ britânica, expressão cunhada pela Real Academia de Espanha, foi a ‘pia batismal’ das ilhas Malvinas, que o reino de Elizabeth II teima agora em fazer, de novo, frente à Argentina na questão da soberania sobre o arquipélago austral.
Anglófilos do Brasil, seguindo a mesma linha de fascinação do argentino Martinez de Hoz, ministro da Economia na ‘guerra suja’ do pampa portenho, pela Grã-Bretanha, escreveram em colunas assinadas da imprensa louvores às ações da carcomida e bolorenta ‘rainha dos mares’ no Atlântico Sul. ‘Guisado’ de nações e etnias coloniais, a Grã-Bretanha não esqueceu de levar nesta sua vilegiatura bélica, como costumeiramente fazia em seu tempo de franca pirataria, uma guarnição de ‘gurkas’, africanos treinados especificamente para a degola de prisioneiros de guerra ou ‘inimigos’ nos confrontos corpo a corpo.
Assinando uma coluna semanal em Zero Hora, RS, o jurista, político, diplomata, membro da Academia Brasileira de Letras Afonso Arinos de Melo Franco defendeu durante a Guerra das Malvinas o direito ‘jus naturale’ inequívoco de ficarem aquelas ilhas sob bandeira platense. Ele se baseava, aprioristicamente, em factos e circunstâncias que cercavam as Malvinas desde sua origem – franco-espanhola. Lembrava, sobretudo, que a Grã-Bretanha remoia pretensões de domínio não apenas do petróleo existente nas Malvinas como também sobre a própria Antártida, situada a cavaleiro das ‘Isles Malouines’.
Isto posto, não há por que negar à Argentina retornar as vistas às ilhas que, de direito, lhe pertencem.
Cícero já dizia que os homens nasceram para a Justiça e que é na própria Natureza, não no arbítrio, que se funda o Direito.

Plis plas
· A presidenta Cristina Kirchner espera por uma resolução do Comitê das Nações Unidas de Descolonização sobre a velha questão das ilhas Malvinas, cujas raízes se aprofundam cada vez mais na Corte (histórica) de Paris. São mínimas as probabilidades de a ONU acolher o recurso platino, por ser este organismo internacional dominado pelo’guisado’ britânico cujo poder de veto é infalível.
· Da vez passada, supõe-se que até o martelo da Justiça – representada pela ONU - tenha desaparecido das mãos do magistrado. Por artes de berliques e berloques.
· Em 1764 a França inaugura uma base naval nas ‘Isles Malouines’, julgando estar garantindo seu domínio sobre elas. E não é que já no ano seguinte os piratas de SM a Rainha da Inglaterra vão lá e instalam a sua base?
· Presidenta, não tenha medo dos gurkas! Também eles precisam ser descolonizados...
· Os kelpers, quer dizer algas marinhas, como são chamados os habitantes das Malvinas, só deixaram de ser ‘cidadãos de segunda classe’ depois de terem os ingleses saído vitoriosos do conflito em nosso Atlântico.
· Somente desse modo puderam os kelpers subir um grau na hierarquia britânica. Foram a súditos da Rainha Elizabeth II.
· De Lord Byron: ‘O melhor profeta do mundo é o passado’.

sábado, 9 de outubro de 2010

Polícia, escola de ‘cobras criadas’

Já ouviram falar em Amado Ribeiro? Um dos maiores repórteres de polícia que conheci. Profissional dos mais competentes e arrojados, cria do vespertino A Noite - uma das empresas incorporadas ao patrimônio da União, ao lado do Jornal do Commercio. Do tempo em que novos jornalistas eram avaliados na reportagem de polícia, passando pelo crivo de veteranos, de ‘cobras criadas’ – na gíria da imprensa, aqueles mais experientes, calejados - e cujo desempenho e argúcia o secretário de redação ou o chefe de reportagem observavam atentamente a fim de opinarem em reunião com um dos diretores do jornal no final da semana.
A seleção, contudo, nem sempre se dava desta forma. Às vezes, o diretor Carvalho Netto, de A Noite, chamava o candidato a repórter cuja presença na redação já era habitual e lhe entregava a pauta invariavelmente com um assunto de polícia. Quem a rigor passava a Carvalho Netto os assuntos que deveriam constar na pauta era o ‘cobra’ Lincoln Massena, que à sua mesa, sem nada a fazer que não fosse cortar a gilete, do Jornal do Commercio, notícias e anúncios curiosos como sugestões de pauta, debruçava-se em aparas de papel trazidas das oficinas e sobre as quais se punha a desenhar figuras humanas e de bichos até o despertarem, quando desce os óculos à mesa e olha para cima.
Começava o ritual do iniciante. Um repórter fotográfico, dos mais antigos no jornal, acompanhava o foca até o carro da reportagem e de lá partiam para a apuração da notícia.
A caminho, ante um ajuntamento de curiosos misturados a embarcados em algum veículo acidentado, o motorista do jornal se antecede ao fotógrafo, faz uma parada para ir logo orientando o novo repórter nas anotações de praxe: as placas dos carros envolvidos no acidente e outras informações eventuais. Quando chega a viatura da polícia e, em pouco, se dissolve a aglomeração, os policiais ordenando que se afastassem... Ouve-se a sirene da ambulância, reagrupam-se curiosos, saem dois enfermeiros com uma maca, sobre a qual estendem o ferido... Nada grave, nada grave! Um policial aos berros, vão se afastando, vão se afastando... No geral, conhecia cada repórter de polícia. Assim, suas ordens eram dirigidas apenas aos curiosos. O policial, contanto que não o comprometessem, estava sempre à espera de fotos dele em ação publicadas.
Eu, que entrara para A Noite dias antes de Amado Ribeiro, por conta de uma reportagem que havia publicado em A Noite Ilustrada, semanário então dirigido por André Carrazone, e que nada tinha que ver com coisas da polícia, amassava o pão de cada dia na reportagem geral – denominação que na linguagem jornalística se dava, ou ainda se dá, às matérias sobre assuntos diversos. Neste caso, o repórter correspondia, de passagem, ao clínico geral, incluindo-se a apuração junto aos distritos policiais. Assim como a Medicina tem as suas especialidades, na Imprensa há quem se especialize em repórter esportivo, repórter político etc. Detalhe bastante curioso se refere ao repórter de polícia quando se faz criador, dentro de sua especialidade, de verdadeira escola de jornalismo. Algo parecido a escola recorrente de jornalismo.
Ao contrário de Amado Ribeiro, foram-me oferecidas poucas chances de mostrar alguma aptidão para cobertura de um facto policial ou de um desses mistérios envolventes, mais adequados a um ‘Sherlock Holmes’ ou ‘Hercule Poirot’.
Amado demonstrava ter essa aptidão. Do jornal de Samuel Wainer, Ultima Hora, onde Pinheiro Júnior já havia marcado sua carreira de repórter com uma série de audaciosas reportagens sobre ‘Juventude Transviada’, para isso infiltrando-se num grupo de lambretistas de ‘pegas’ nas pistas da Zona Sul do Rio, Amado Ribeiro salta para a fama da dramaturgia – não como autor, nem como ator, e sim na condição de personagem de uma telenovela escrita por Nelson Rodrigues, que por muitos anos manteve em UH o folhetim, de grande sucesso, A Vida Como Ela É. A novela tendo Amado Ribeiro como um dos personagens principais, levada ao cinema repetiu o êxito obtido no teatro.
De minha parte, foi através de uma entrevista com o poeta Jacy Pacheco (já falecido e que era primo de Noel Rosa, também o seu maior biógrafo) que entrei para A Noite. Jacy Pacheco, recebendo-me em sua casa, derrama sobre a mesa farto material iconográfico do ‘poeta da Vila’, fornece-me algumas fotos dele para a entrevista, que acaba saindo em A Noite Ilustrada após haver cumprido sua ‘via crucis’ por várias publicações, no Rio, todas deixando-a na gaveta por sete a quinze dias ‘para exame’, diziam. Uma delas, a Revista do Rádio, através do seu chefe de reportagem, decorrido o prazo que me fora dado para ‘exame’, justificou sua recusa dizendo que Noel já estava mumificado, podendo interessar agora àquela revista – exemplificou – seriam uns suspiros, que fossem, da Emilinha, Emilinha Borba, a quem eu viria a conhecer pessoalmente mais tarde, num dos estúdios da Rádio Nacional já como repórter de A Noite, passando a admirá-la por sua simpatia, pelo seu carisma.
Lavei a alma ao dar com a matéria de Noel pendurada ao meio de A Noite Ilustrada nas bancas da Avenida Rio Branco a partir da Praça Mauá. E fui, sentindo-me vitorioso, à caixa do jornal-revista semanal receber o que me era devido. Não demorou, admitiam-me no diário A Noite, de saudosa memória; relevem-me o lugar comum. Petronilha Pimentel, Arina de Carvalho... Vocês ainda estão neste planeta? Lembra-se, Arina, de quando você me levou ao ‘Clube da Avenca’, na Avenida Mem de Sá, para conhecer a Liu? E faz tempo que Ledo Ivo é Imortal, sabiam? Não creio, mas falam que ele teria adquirido na Academia Brasileira de Letras, com seus direitos autorais, passaporte para um planeta menos poluído... Quanto a você, Petronilha, bem que merecia o resgate de Rainha da Petrobras. Não é justo que a Petrobras fique sem a sua rainha.
Outro ‘cobra criada’, Manuel Abrantes, que com o fechamento de A Noite, a que se seguiu o do Dário da Noite, vim encontrá-lo n’O Dia na chefia da Reportagem daquele matutino de Chagas Freitas.
Abrantes reocupava, em outro jornal mas sentindo-se em casa, um posto conquistado em A Noite a duras penas – expressão aqui usada no sentido de que o cavara com muita garra, durante anos, tendo-se iniciado como contínuo. Os mais antigos diziam que ele fez, praticamente, o curso primário na Redação, aprendendo a ler e escrever, inclusive à máquina, com os plantonistas de Polícia após o ‘fechamento’de cada edição. Quando já sabia, pelo menos, ‘catar milho’ na máquina de escrever, o plantonista lhe passava a tarefa da ronda pelos distritos policiais, e Abrantes dela se desincumbia aos garranchos que entanto davam para ele entender o suficiente a fim de bater à máquina, com firmeza, a apuração, deixando-a depois, com um peso, sobre a mesa.
Mais um tempo, Abrantes ganha altura, física e mental, e ei-lo a dactilografar ligeiro as suas matérias, além de responder a memorandos de departamentos do jornal e de dar ordens a repórteres com um sorriso maroto de quem estava de bem com a vida.
Manuel Abrantes vai para O Dia e lá permanece por longo período. Recordo-me de que um dos contínuos teve atenção especial de Abrantes, que queria ajudá-lo a galgar melhor situação dentro ou fora da empresa. Mas ele parecia cabeça dura. Abrantes irritava-se: ‘Quer ser contínuo para o resto da vida?’ Faltou completar: ‘Como eu fui e aqui estou?’
Eu editava a página de Política da Ultima Hora, então funcionando atrás da Rodoviária Novo Rio, já em seu ocaso, quando nos chega a notícia do falecimento de Manuel Abrantes. Pensei, incontinenti: ‘Ele morreu amargurado’. Eu soube que, ultimamente, logo após sua demissão de ‘o novo’ O Dia pela ‘tropa de choque’, de oposição, vinda do Jornal do Brasil, destacada para varrer os quadros do ex-jornal de Chagas, Abrantes ficava horas, o dia inteiro na rua, debaixo da marquise d’O Dia, à espera de algum sobrevivente do vendaval que zunira por aqueles lados - a fim de conversarem.
E que teria sido feito do Pequeno Jornaleiro, que esculpido em bronze para a Praça Mauá, por ocasião da construção do Edifício A Noite, na década de 30, de lá desapareceu misteriosamente? Sobre a simpática estatueta escreveu Graciliano Ramos, autor de Vidas Secas, sua obra principal: ‘Não é somente o jornalista que explora vantajosamente os crimes – ele o garoto endiabrado também sabe tirar partido das mais insignificantes perturbações da ordem, revestindo todos os fatos de acessórios que lhes dão proporções extraordinárias. Parece que tem o dom de pôr um grande vidro de aumento em cima dos acontecimentos. Enfim, sob certos pontos de vista, o pequeno vendedor de jornais é uma espécie de jornalista em miniatura’...
Esvoaçam-se os anos, some o bronze do Pequeno Jornaleiro e, no primeiro dia de governo de Fernando Henrique Cardoso, extingue-se a Fundação Darcy Vargas, que mantinha a modelar LBA, a cobrir todo o país, escalpelada no governo anterior, de Fernando Collor de Mello.
a

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Caiu o novo chefe narco

‘Mono’ Jojoy

Em 1964, quando se ouviu falar pela primeira vez nas FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) descerrava-se entre nós o ciclo ditatorial com o marechal Humberto de Alencar Castello Branco sendo o primeiro a exercer a presidência da República nesse período. Entrementes, não havia a menor ligação séria de esquerdas brasileiras com aquele exército paralelo ao colombiano regular. A guerrilha no Brasil se feria praticamente à distância das FARC ou de qualquer outro movimento de insurgência paramilitar ao regime aqui instaurado.
Até os brasileiros que partiram para o exílio o fizeram mais em busca de trabalho, alguns, também, de estudo, de acordo com o pé de meia de cada um, do que de ‘ordens unidas’ preparatórias para insurgência ou contrainsurgência a governos totalitários como os que se instalaram durante décadas no país.
Lembro-me, já na ‘era digital’, pouco antes de ingressarmos no ano 2000, deixando-me levar pelas ondas corredias da Internet entro acidentalmente numa página que parecia ter sido inserida no periódico argentino La Nación, por artes de berliques e berloques, e qual não foi minha surpresa ao verificar na telinha que estava diante de uma concentração de guerrilheiros das FARC, alguns dos quais, naturalmente em ‘parejas’, dançavam bem animados. Em 2008, as FARC perdem seu segundo chefe, Raúl Reyes, em confronto com as forças legalistas, no governo de Álvaro Uribe Vélez. Ingrid Bettancourt, ex-candidata à presidência da Colômbia, caíra nas mãos da guerrilha, que a leva para a selva como refém, sendo libertada seis anos e meio depois e graças à intervenção dos presidentes da Venezuela, Hugo Cháves, e da França, Nicolas Sardozy.
Deito a cabeça no travesseiro e me ponho a refletir sobre o quebra - cabeças em que se transformava, às vezes, a política não apenas entre países de uma mesma região como também de regiões distintas: França e Venezuela, o caso: aproximavam-se por razões de segurança interna mescladas com algum interesse econômico, direcionado ao petróleo venezuelano.
Agora, em 2010, sem mais espaço para atuar e sem nenhum apoio de políticos da região, as mãos tisnadas no narcotráfico, as FARC sofrem a maior derrota desde sua criação. Juan Manuel Santos, que sucede a Uribe na presidência da Colômbia, ergue o punho da vitória, exclamando: “Cai mais um símbolo narco!”. Não é outro senão Jorge Briceño, o Mono Jojoy. Desta vez, o Exército colombiano utilizou 30 aviões e 27 helicópteros, tendo vasculhado toda a área até então dominada pelo narcotráfico, que insiste na afirmativa de que se abastece do crack, derivado da cocaína com vistas aos consumidores com poucos recursos, na ponte México-Norteamérica.
Mono Jojoy, assim chamado por ser louro, usava vários nomes, como Victor Julio Suárez Rojas e Jorge Briceño, que se acredita seja o verdadeiro. O corpo foi identificado através de um relógio e umas pastilhas para o diabetes, de que ele sofria. Dizem uns ter ele nascido em Boyacá e outros em Cundinamauca, América Central. Tudo faz crer ter sido ele criado, com o irmão Germán, na selva colombiana, que conhecia na palma da mão. Fala-se que Germán se acha hoje escondido na selva da Venezuela. Jorge Briceño, ou Mono Jojoy, encerrou sua carreira de narcotraficante aos 57 anos.
O novo presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, põe fim a uma guerra de 40 anos contra o tráfico de drogas.




quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Estados Unidos executam débil mental


Nesta quinta-feira, 23 de setembro de 2010, ‘dia de Júpiter’ na mitologia greco-romana, às 9 da noite (horário de Washington), se a Suprema Corte dos Estados Unidos mantiver sua recusa de clemência para Teresa Lewis, 41 anos, acusada de cumplicidade em duplo homicídio, será executada com injeção letal na prisão ‘correcional’ de Greensville.
Lewis confessou-se culpada pela morte de dois homens, um deles que teria sido seu amante e o filho dele, facto ocorrido em 2002 e que se reveste de maior dramaticidade com o agravante de a condenada se achar no limite da debilidade mental, desconhecendo mesmo, em seu fraco, ou nulo, juízo, por que está encerrada em Greensville.
De nove magistrados, apenas dois acataram a petição da defesa, de paralisação da sentença por atraso mental da condenada; por sinal, duas das três juízas que faziam parte da banca: Ruth Ginsburg e Sonia Sotomayor. Acrescente-se que se for realmente cumprida a sentença, polêmica no caso em pauta – pelo processo mental degenerativo que sofre a ré, será a décima segunda execução de mulheres no país desde que se reinstaurou ali a pena máxima.
Sessenta e uma mulheres estão à espera de sua hora no ‘corredor da morte’ no Estado da Virgínia. Ou de quem as ouça com ouvidos limpos e a alma pura.
De passagem pelos Estados Unidos, o presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, teceu duras críticas ao governo estadunidense dizendo que sua mídia silencia quando se trata da aplicação pelos seus juízes de penas de morte em até deficientes mentais. Frisou que a Justiça americana carrega por anos, ao parecer, sem fim, por sua história enlameada de conquistas empreendidas sem nenhuma base legal continentes em fora. Quanto a Sakineh Mohammad, frisou ser um caso encerrado, suspensa a pena que lhe fora imposta. E que falecem coragem e dignidade aos norte-americanos para tomarem decisões que venham ao encontro de uma justa concepção de vida moral, espiritual e material.

sábado, 18 de setembro de 2010

Ciganos vão à Corte de Estrasburgo


Nos sentimos David contra Golias


Um buraco negro parece ter-se aberto, com o entrechoque de argumentos a favor e contra a permanência de ciganos em território francês, ao som, diria, interminável e doce de um violino a vir de muito longe, quem sabe – das estrelas da România ou da Bulgária ou da Bósnia. A impressão que se tem é de que o Eliseu, se lhe fosse dado o poder de manifestar-se por si mesmo, cerraria portas e janelas pelo tempo que fosse necessário enquanto durassem as discussões tolas sobre uma crise étnica estranhamente singular, inconcebível; inacreditável, por assim dizer.
O imbróglio envolve França, Espanha, Luxemburgo, Itália, agora também a Grã-Bretanha e outras praças da Europa, só não alcançando, em outro meridiano, os Estados Unidos da América por se acharem estes fora de órbita por razões cambiais, que os obrigam a apertar o cinto; e, ainda, o Brasil, impropriamente considerado emergente pela ONU, por ser, talvez, um dos raríssimos países a ostentarem uma economia em franco crescimento, de causar inveja e espanto aos norte-americanos, por exemplo, que sofrem quedas preocupantes nos ativos financeiros, aumentando lá, a cada dia, o contingente de cidadãos na linha da pobreza.
O clima esquentou para todos os lados, sem que a Comissão Européia mova uma palha a fim de serenar os ânimos entre os contendores e encontrar uma solução pelo menos conciliatória para o fosso que se abriu à primeira vista irremediavelmente entre as nações querelantes.
O presidente da França, Nicholas Sardozy, se mostra inflexível em seus delírios persecutórios quando investe de forma claramente desalmada contra a comunidade cigana, extensivamente rumana. Contudo, sempre que isto ocorre, aparece alguém para rebater-lhe as idiossincrasias. O poeta português, ou universal, Fernando Pessoa já dizia: ...”Entre o sono e o sonho / entre mim e o que em mim / é que eu me suponho; corre um rio sem fim”.
Assim, Nikolas Sardozy, como a puxar do fraque uma eurodeputada de sua estima partidária, dá-lhe a palavra para dela ouvir e passar à frente que os ciganos rumanos “provocam os mesmos problemas na França e na Espanha”. Idiossincrasia pura e delituosa...
Nada, entretanto, que surpreenda. Sarkozy é de uma direita a mais extremada. Em Paris mesmo já há quem o compare aos nazi-fascistas da II Guerra Mundial. Ainda em termos comparativos, fala-se que as atuais deportações de ciganos da França têm sido feitas à imagem e semelhança daquelas de judeus da Alemanha no conflito com o III Reich. E das investidas nazis na batalha de Stalingrado (1942-43), ali encontrando a heróica resistência dos soviéticos, cujas baixas nas fileiras da Grande Guerra Patriótica, que correu paralela à das forças aliadas, comandadas de automóvel conversível por Eisenhower, e que resultou na vitória inegável, contundente, de Moscou sobre Berlim, superaram de duas a três vezes mais as vítimas do Holocausto. Os combates nas trincheiras soviético-alemães, enquanto o povo americano se divertia em seu próprio território inteiramente a salvo de bombardeios e outros ‘pesadelos’, a não ser os mostrados nas telas cinematográficas, ceifaram pelo longo e doloroso caminho trilhado até Berlim, em números oficiais, durante 1418 dias e noites, numa frente de 3000 a 6200 quilômetros, uma média de nove a dez vidas soviéticas por minuto, ou seja, cerca de 600 por hora – um total superior a 20 milhões, isto é, 2/5 de todos os mortos em
combate na II Guerra Mundial. Além disso, a URSS teve um prejuízo material estimado de 485 trilhões de dólares, ao preço dos anos 40. Em razão do praticamente imensurável número de baixas nas frentes russas, milhares de soldados e oficiais tiveram de ser substituídos por mulheres nos tratores e outras máquinas em Moscou e cidades do interior onde mais requeria sua presença. Foi quando criaram no Ocidente a imagem torpe da russa masculinizada. A mulher dirigindo um trator, no imaginário de tio Sam, já pelos começos da ‘guerra fria’ dava lugar a uma outra invencionice e muito pior: os americanos fotografaram em Moscou umas crianças brincando com a neve, abriram uma legenda informando que elas disputavam alimentos caídos ao chão, tiraram um sem-número de cópias da foto, distribuindo-as entre as agências de notícias ocidentais, do então chamado “mundo livre”. Era o tempo do macartismo nos Estados Unidos, do ‘pega para capar”, da cadeira elétrica para o casal Rosenberg, em nome da democracia...
Também em nome da democracia, agora na França, a França da resistência à invasão nazi na década de 40, acampamentos de rumanos são varridos por Sardozy e seus cupinchas, pelo ‘crime’ de serem ciganos?
Na Espanha existem em torno de 30 mil a 50 mil ciganos, a grande maioria rumanos,



seguindo-se os búlgaros e, de resto, os bósnios. Vivem em assentamentos, salvo alguns grupos ingleses e franceses.
O presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, frisando não ser do seu feitio meter-se em querelas de etnia, mas que se tratava de assunto de sua alçada, declarou que é demais comparar as atuais deportações às da II Grande Guerra. O primeiro ministro italiano, Sílvio Berloscono, fala em “panos quentes” enquanto aqueles que falam pelo povo cigano detectam claras “conotações nazis” em todo este processo de deportações. Dizem que o povo cigano europeu assiste indignado a esta política e perplexo ante as “trifucas verbais” ouvidas nos salões oficiais. Estão, agora, decididos a atuar de forma enérgica, indo ao foro competente, que é o Tribunal de Estrasburgo, ante as iniciativas do presidente francês, Nikolas Sardozy. A União Rumana espanhola já preparou toda a documentação necessária à demanda junto àquela Corte, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, contra a intolerância do Eliseu. O presidente da União România foi enfático ao tratar do assunto: “Nos sentimos David contra Golias. Não queremos ficar de braços cruzados enquanto membros de nossa comunidade são expulsos cruel e maciçamente”.


quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O mundo tauromáquico


A revolta do touro


No mesmo dia em que o parlamento francês anunciava seu veto ao burka – o transpirável e tênue véu que encobre, ou encobria pelas ruas de Paris, o rosto de imigrantes muçulmanas – como a preservar a tradição de capital da elegância, ou do bem vestir, no mundo, cai à ponta de lanças arremessadas por um jovem de 26 anos, Marcos Rodriguez, em Tordesilhas, Espanha. “El Toro de la Vega”, famoso por ter feito carreira ‘gloriosa’ ao ser desafiado durante bom tempo por alguns dos maiores toureadores do país.
Foi pela manhã da última quinta feira (l3 de setembro de 2010), quando ao último suspiro de “El Toro de la Vega” – as banderilhas o ferindo profundamente – desabavam aplausos junto ao cercado da arena, a tocarem o coração dos ambientalistas, que não deixavam de protestar contra “semelhante barbárie” num país conhecido fora da Europa como dos mais religiosos e civilizados de nosso planeta.
Entre os ambientalistas, não faltaram as lágrimas dos mais indignados com a “cena brutal, macabra” a que haviam assistido. Pelos arredores da praça de touros em Tordesilhas se viam cartazes de protesto contra a imolação de “El Toro de la Vega”. Um deles dizia: “Transcende ao mundo imaginado por Orson Welles e seu inspirador, H.G. Wells”. Wells, autor de A Máquina do Tempo e de Guerra dos Mundos, livro no qual o novelista de rádio Orson Welles se baseou para levar ao ar nos Estados Unidos, como se fora um longo, instigante e tenso noticiário a cobrir praticamente todos os horários de programas do dia, somente interrompidos alternadamente em questão de minutos com momentos de baile ironicamente relaxantes, rodados nos discos pelos operadores dos estúdios da rádio. Isso, no corpo de um programa de noticiário de ficção apresentado por Orson Welles, a transpirar seriedade, com sua voz grave, às vezes trêmula, para fins de convencimento dos ouvintes, a cada hora em que dizia aproximar-se estranha criatura que, para ele, só podia ser extraterrrestre, “claro que sim! –exclama, justificando: “a nave espacial já reduz... mais, mais! a distância de nós”.
E o radionovelista não deixava por menos: passara a se comunicar diretamente com a Casa Branca. Falava ao telefone com o Presidente, o qual lhe passava instruções e uma mensagem para que fosse levada ao ar, dirigida aos concidadãos, a recomendar-lhes calma “porque podem ser de índole pacífica, sem outro intuito que não seja colaborar conosco”.
Alguém liga para a emissora indagando sobre o partido da simpatia desses visitantes, o Republicano ou o Democrata?A pergunta, felizmente, não chegou ao éter, logo cortada pelos operadores, que desconfiaram a tempo de evitar que o ouvinte ‘engraçadinho’ empurrasse as vacas para o brejo...
E o programa foi em frente com um pelotão de extraterrestres armados de espécie de lança-chamas, sem que os tirasse das cintas, o que deixou um pouco tranqüilos aqueles que a tudo acompanhavam pelo rádio e que cheirava a pólvora interplanetária, pela sensibilidade não só das massas, também dos políticos e empresários norte-americanos, que procuravam olhar pelas frestas dos edifícios de onde vinha toda aquela movimentação transmitida pelo rádio. Estabelecera-se verdadeiro pandemônio, principalmente em Nova Yorque, além de Washington, o Presidente pedindo que ninguém saísse de suas casas ou do trabalho, exceto as guarnições do Exército e da Marinha, dos quartéis e que, pelo noticiário radiofônico, se dividiram estrategicamente por vários rincões do país, instruídas a entrarem em ação somente no caso de virem a ser atacadas. “e isso esperamos que não venha acontecer; temos um pastor ao nosso lado orando por todos nós”. E os operadores emendam à mensagem presidencial números de jazz afrolatino com Xavier Cugat e sua orquestra. Repentinamente, cessa todo o deslocamento de tropas, de carros de combate e de passeio, estes, poucos; silenciam as sirenes, reabrem-se as janelas, Cugat retoma o programa normal de baile e multidões se abraçam nas ruas, aliviadas. “Ainda não viram nada...”, dizia e repetia um pau d’água à porta da emissora. Não pensem que era o radionovelista. Orson Welles saíra pela porta dos fundos. O Presidente, ainda que ele próprio tenha caído no conto da guerra interestelar, aproveitou a ocasião para criar uma versão do que havia acontecido, qual seja que fora realizada e com sucesso uma simulação de ataque extraterrestre.
Na praça de touros de Tordesilhas não houve simulação quanto ao trágico destino que tinham reservado para “El Toro de la Vega”, algo como “celebração da vida e da morte”, a um tempo, contrapondo-se aos aficionados de rituais da tauromaquia aqueles que se batem em defesa dos direitos animais tanto quanto dos direitos humanos.
Num mundo tauromáquico como esse, o ex-presidente espanhol Felipe Gonzalez já expressa seu pessimismo diante do futuro da Europa.