sexta-feira, 7 de maio de 2010

O 1º de abril de 1964

Marechal Paulo Torres

O 1º DE ABRIL DE 1964

1º de abril de l964. O Brasil amanhecera sob um golpe de estado, com o presidente João Goulart encurralado pelas forças de um poder emergente costurado por civis, entre eles Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, que era governador de Minas Gerais. Lacerda pretendia com seu apoio aos militares golpistas suceder a João Goulart, o qual, quando a chamada Revolução Redentora mostrava as unhas, já preparava sua viagem ao exílio, por mais que Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, tentasse convencê-lo a tomar uma outra decisão, mais digna, ou seja, transferir o poder da República, provisoriamente, para o Palácio Piratini, sede do governo gaúcho. Brizola oferecia-lhe amplo apoio militar e civil, tanto do poderoso III Exército como da força policial de seu Estado. Além disso, haveria dois fortes escudos a protegê-lo e que eram o governador Miguel Arraes e Francisco Julião, criador das Ligas Camponesas, em Pernambuco e com ramificações por outros Estados.
Goulart, no entanto, preferiu entregar o governo a ver seu país mergulhar numa guerra civil de conseqüências imprevisíveis, como achava que aconteceria se aceitasse a oferta de Brizola. Todavia centenas e centenas de posseiros armados de foices, ancinhos e outros instrumentos agrários aguardavam à hora, que não chegou, de entrar em ação, formando nas colunas de resistência iniciadas pelas Ligas Camponesas de Julião.
Niterói era capital do antigo Estado do Rio de Janeiro. Naquele primeiro de abril, eu e outros jornalistas além de alguns políticos encontrávamo-nos no Palácio do Ingá, sede do governo fluminense, na sala de espera ao lado do gabinete do então governador Badger da Silveira, onde funcionava um serviço de rádio que àquele dia recebia, passo a passo, as informações de Brasília sobre a marcha dos acontecimentos. O ajudante de ordens de Badger trazia essas informações para a imprensa ali reunida.
Súbito, as informações vindas pelo serviço de rádio do Palácio cessaram. Entreolhamo-nos, a pulga atrás da orelha. Ainda esperamos mais um pouco, na esperança de que viesse alguma nova informação, mas o ajudante de ordens fechara-se em copas no gabinete do governador. E um por um dos presentes na sala foram saindo em silêncio. Se havia X-9 naquele grupo não cheguei a saber. Cuidei de ir direto para o centro da cidade, parando por instantes diante de um grupo de militantes políticos que comentavam com entusiástico otimismo o avanço, como acreditavam, das forças leais a João Goulart. Imediatamente, após dizer que vinha do Palácio do Ingá, fiz-lhes ver que, àquela altura o presidente estava fora do governo e que o melhor que poderiam fazer era procurar refúgio em algum lugar seguro. Não demorou, o grupo se dispersava. Na calçada defronte ao prédio onde funcionara, ostensivamente, o Instituto Cultural Brasil URSS, na Avenida Amaral Peixoto, sua fachada permanecia, com todas as letras do instituto em que estudara o russo juntamente com um padre, dois médicos, outros profissionais liberais e duas moças, filhas de um construtor muito conhecido na região e que ajudava financeiramente o “Partidão”. Pela mesma calçada vinha nesse dia o temível Joaquim Metralha, presidente da Liga Anticomunista do Estado do Rio, portando duas sub-metralhadoras Ina, uma em cada lado, um bloco de papel e uma caneta para anotação dos nomes e endereços daqueles que lhe parecessem, ou a seus informantes, subversivos. Havia sempre alguém aproximando-se dele a fim de colaborar com Metralha na relação das residências que haveriam de ser visitadas ou arrombadas.
Foi uma noite de terror aquela de lº para 2 de abril de 1964. Algumas residências, os terroristas de direita encontraram fechadas, e as arrombaram, como, por sinal, fizeram em meu apartamento, dir-se-ia a patas de cavalos. Ficaram p. da vida por se depararem com as estantes das bibliotecas completamente vazias, e cuspiram no vazio... É que muitos dos visitados pela gestapo de esquina haviam se prevenido, ensacando livros e revistas e os levando para as malas de seus carros para descarregá-los bem longe, onde só se ouviam grilos, espalhando-os pelas margens de estradas praticamente cobertas de matagais. O Dr. Augusto Cunha, meu tio, não teve a porta de seu apartamento em Icaraí arrombada, pois a deixara aberta a fim de facilitar a entrada dos policiais e evitar ter que providenciar uma nova fechadura. Neste caso, nem voltaram os olhos para sua biblioteca.
Levaram-no, contudo, para a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio, na Avenida Amaral Peixoto. Não tardou que Elza, sua mulher, chegasse de táxi com um colchonete e roupa de cama. “Zelosa, hein?...”, dizia um X-9 a um policial. E o Dr. Cunha foi deixado numa sala da Secretaria de Segurança. Da janela da sala se via embaixo, no térreo, com toda nitidez – contaria o Dr.Cunha, terminado o pesadelo – um dos lavradores do interior fluminense acusados de ligações com as Ligas Camponesas de Arraes e Julião apanhando com as mãos água da descarga de um vaso sanitário, para beber.
Amanhece. Batem na porta da sala dizendo que acabara a mordomia. E o Dr. Cunha foi encaminhado ao Estádio Caio Martins, transformado em prisão política. Lá encontra vários médicos, seus colegas, engenheiros e outros profissionais liberais seus conhecidos. O meu pai, Aristides Gonçalves, se incumbira de levar diariamente um almoço para tio Augusto no Caio Martins, preparado por minha mãe, Chiquita. Ela e o Dr. Cunha foram criados juntos, na Fazenda do Sobrado, no distrito cantagalense de Boa Sorte.
Quanto a mim, a pular o muro de uma embaixada, preferi sair de óculos escuros, pegar um táxi em companhia de minha primeira mulher Deró, já falecida.
O táxi nos levou até pouco além do bairro Maria Paula, que àquela época tinha mato por todos os lados. Estacionamos rente a uma cerca aparentemente intransponível. Descemos e fomos a pé mais em frente, até chegarmos ao ponto em que sabíamos estar a cerca de acesso ao sítio escondido, de comadre Lourdes, nossa lavadeira de muitos anos.
O sítio, todo arborizado e plantado, tinha início junto a uma imensa pedreira, que dava a impressão de pendurar-se nas nuvens. “Ninguém mais põe os pés aqui, só Deus, porque é o fim do mundo..., dizia-me Agapito, marido de comadre Lourdes. E lá permaneci até o momento em que era informado de que já poderia voltar, sem susto.
Passam-se algumas luas e têm início as nomeações para os governos dos Estados. É nomeado governador do antigo Estado do Rio o marechal Paulo Torres, de centro e cuja honradez era amplamente reconhecida, em especial entre as esquerdas, que puderam, assim, respirar. Com efeito, Paulo Torres, seguido por seu irmão, o jornalista e político Alberto Francisco Torres, logo que assumiu o governo fluminense mandou libertar todos os presos políticos recolhidos ao Caio Martins. Para o marechal, pelo menos no Estado do Rio a ditadura havia expirado, prosseguindo a caça às bruxas em outras partes do território nacional, infelizmente, fora da alçada de Paulo Torres. Este, inclusive, após assumir a presidência do Senado federal pautou seus atos na defesa da democracia, com discursos inflamados em favor de justiça social, a ponto de preocupar, às vezes, seu irmão Alberto Torres, como diretor do diário O Fluminense. Nessa ocasião eu editava a página de política do jornal, quando o Dr. Alberto, assim o chamávamos desce do seu gabinete até à Redação, senta-se a meu lado e estica para mim um longo telex. Olho: era um discurso do marechal-presidente do Senado e que bem podia ter sido pronunciado por alguém de esquerda, não digo extremada, porém numa linha francamente legalista. Coçando a cabeça, Dr. Alberto quis saber minha opinião como editor da página onde deveria sair aquele pronunciamento. “Não vejo nada demais em publicá-lo”, opinei. “Você acha?”, Dr. Alberto ainda incrédulo. “Acho que devemos publicar”, reforcei. “Afinal, é meu irmão... Se não publicar, vou-me ver com ele...” E decidiu: “Se você acha...Publique-se!”
Dr. Cunha, não mais perseguido, passara a admirar o marechal Paulo Torres, em quem votaria sempre que houvesse eleição e ele fosse candidato”.
Conversa de rua:
─E que teria sido feito de Joaquim Metralha?
─Apareceu morto em seu sítio para os lados de Cachoeiras de Macacu, dizem. Morto por ladrões.
- Huum... Sei lá...!

2 comentários:

Leonardo Soares de Oliveira disse...

BOA NOITE GOSTARIA MUITO DE CONHECER A VERDADEIRA HISTORIA DE UM HOMEM
CHAMADO JOAQUIM METRALHA
SE ELE FOI UMA PESSOA DE BEM OU NAO
ASS. LEONARDO

Leonardo Soares de Oliveira disse...

favor responder e enviar relatorio para o email leonardo_alpharomeu@hotmail.com

se vc ainda estiver vivo é claro meu amigo.