O goleiro de um pé só
Aqueles que estudaram em minha época no Ginásio, depois Colégio Euclides da Cunha, do professor Messias de Moraes Teixeira, lá pelos anos 40, com o professor Batista faltando só arrancar os cabelos para enfiar lições de gramática ou de outra matéria em certas cabeças não me deixam mentir. Um deles, Antonio Carlos Gonçalves, o Carlinhos, que chegava, às vezes, a esconder debaixo de sua capa de inverno o taco de sua predileção ao sair do salão de sinuca do bar de seu Janjão, do lado direito de quem viesse da estação de trem, atrás da Praça dos Melros, aqueles melros que um dia, por causa do desmatamento desenfreado nas franjas de Cantagalo, se foram como para a eternidade. Boas luas, boas luas... O giz a cantar na ponta do taco que para Carlinhos tinha algo de mágico, por isso Carlinhos o esfregava de cima a baixo com as mãos e, aí sim, assestava a pontaria com a bola 5 azul, a da sorte, acreditava, e inclinando um pouco o taco para que ela recuasse até ao ponto em que ele pudesse alcançar outra bola, a 3, por exemplo, de cor verde e que parara a um canto estratégico. Uma tacada e desperta a bola 7, preta, seguindo-se outras jogadas até balançar a caçapa do final da partida, desta vez o adversário a segurar seu taco sem que desse uma só tacada.
Ninguém, pois, de tempos idos em Cantagalo, como Gutinho, que era bem alto e que insistia em apelidar-me de Gigante, pela minha estatura de Rui Barbosa, sendo que alguns colegas mangavam de minha testa larga, de Rui, diziam, me deixa mentir.
Chamavam-no de Toneca. Era o goleiro do nosso time de futebol no ginasial. Espadaúdo, devido, naturalmente, à muleta que levava no sovaco esquerdo, seus músculos pulando, por assim falar, ao se jogar sobre a bola, desfazendo-se impetuoso da muleta, que arremessava a uma distância de metros, Toneca à espera da bola num dos lados da rede, ora da direita, ora da esquerda, ainda apoiado na muleta, que ele somente jogava fora da área, com destreza e bom muque, firmando-se em um pé, quando o ataque adversário aproximava-se dele. E... pimba!
Toneca não se intimida. O gramado em frente era-lhe um colchão de espumas. Assim, ei-lo estirado no colchão, as mãos calosas, fortes, grandes sobre a pelota, logo a abraçando e, após apanhar a muleta, ergue um braço, a desferir um murro no ar e abrir um largo e fagueiro sorriso por mais um chute a gol aparado no peito.
Não era um craque? E um craque excepcional, de fôlego inusitado. Sua performance em Cordeiro, cidade que se tornou conhecida em todo o país e até no exterior por sua laureada exposição agropecuária ficando a umas três marchas de Cantagalo, era de deixar de queixo caído qualquer goleiro com os dois pés.
Nos treinos, o desafio a fim de testar suas condições físicas e seus reflexos, se estava preparado para enfrentar o próximo adversário. E Toneca empina-se de um lado a outro da cidadela... que vem bala! Ainda bem que de seu próprio time. Isso, porém, não faria a menor diferença. A bala vem, dir-se-ia zunindo, e Toneca mostra que estava em excelente forma. Despede a muleta para fora da área e agarra o petardo, triunfante.
A próxima partida seria disputada no campo do Cordeiro Futebol Clube contra um colégio local, e era grande a expectativa nas duas cidades, baixando sobre elas um clima de preocupação, principalmente entre os professores, tendo em vista o que quase sempre acontecia quando os times de adultos de Cordeiro e Cantagalo se defrontavam: saíam no braço, felizmente sem maiores conseqüências. Por esta razão, o professor “Batistinha” foi ao gabinete do professor Messias fazer-lhe ver a “imprudência” de permitir que os meninos de Cantagalo jogassem com os de Cordeiro. “Vai correr sangue! Vai correr sangue”! bradava “Batistinha”, as faces trêmulas. Messias aproxima-se: “O professor Batista não está exagerando, não está sendo um tanto pessimista?” “Pessimista? Batistinha rebate. “Lavo as minhas mãos! Lavo as minhas mãos!”
Messias, então, sugere que se fizesse uma consulta democrática entre estudantes e professores de seu colégio. Os estudantes ganharam Professor Batista foi voto vencido.
E se feriu a partida no campo do Cordeiro, terminando em zero a zero e um curativo na testa de um aluno de Cantagalo.
“Poderia ter sido pior”, o professor Batista não dava o braço a torcer. E desce o pano...
Aqueles que estudaram em minha época no Ginásio, depois Colégio Euclides da Cunha, do professor Messias de Moraes Teixeira, lá pelos anos 40, com o professor Batista faltando só arrancar os cabelos para enfiar lições de gramática ou de outra matéria em certas cabeças não me deixam mentir. Um deles, Antonio Carlos Gonçalves, o Carlinhos, que chegava, às vezes, a esconder debaixo de sua capa de inverno o taco de sua predileção ao sair do salão de sinuca do bar de seu Janjão, do lado direito de quem viesse da estação de trem, atrás da Praça dos Melros, aqueles melros que um dia, por causa do desmatamento desenfreado nas franjas de Cantagalo, se foram como para a eternidade. Boas luas, boas luas... O giz a cantar na ponta do taco que para Carlinhos tinha algo de mágico, por isso Carlinhos o esfregava de cima a baixo com as mãos e, aí sim, assestava a pontaria com a bola 5 azul, a da sorte, acreditava, e inclinando um pouco o taco para que ela recuasse até ao ponto em que ele pudesse alcançar outra bola, a 3, por exemplo, de cor verde e que parara a um canto estratégico. Uma tacada e desperta a bola 7, preta, seguindo-se outras jogadas até balançar a caçapa do final da partida, desta vez o adversário a segurar seu taco sem que desse uma só tacada.
Ninguém, pois, de tempos idos em Cantagalo, como Gutinho, que era bem alto e que insistia em apelidar-me de Gigante, pela minha estatura de Rui Barbosa, sendo que alguns colegas mangavam de minha testa larga, de Rui, diziam, me deixa mentir.
Chamavam-no de Toneca. Era o goleiro do nosso time de futebol no ginasial. Espadaúdo, devido, naturalmente, à muleta que levava no sovaco esquerdo, seus músculos pulando, por assim falar, ao se jogar sobre a bola, desfazendo-se impetuoso da muleta, que arremessava a uma distância de metros, Toneca à espera da bola num dos lados da rede, ora da direita, ora da esquerda, ainda apoiado na muleta, que ele somente jogava fora da área, com destreza e bom muque, firmando-se em um pé, quando o ataque adversário aproximava-se dele. E... pimba!
Toneca não se intimida. O gramado em frente era-lhe um colchão de espumas. Assim, ei-lo estirado no colchão, as mãos calosas, fortes, grandes sobre a pelota, logo a abraçando e, após apanhar a muleta, ergue um braço, a desferir um murro no ar e abrir um largo e fagueiro sorriso por mais um chute a gol aparado no peito.
Não era um craque? E um craque excepcional, de fôlego inusitado. Sua performance em Cordeiro, cidade que se tornou conhecida em todo o país e até no exterior por sua laureada exposição agropecuária ficando a umas três marchas de Cantagalo, era de deixar de queixo caído qualquer goleiro com os dois pés.
Nos treinos, o desafio a fim de testar suas condições físicas e seus reflexos, se estava preparado para enfrentar o próximo adversário. E Toneca empina-se de um lado a outro da cidadela... que vem bala! Ainda bem que de seu próprio time. Isso, porém, não faria a menor diferença. A bala vem, dir-se-ia zunindo, e Toneca mostra que estava em excelente forma. Despede a muleta para fora da área e agarra o petardo, triunfante.
A próxima partida seria disputada no campo do Cordeiro Futebol Clube contra um colégio local, e era grande a expectativa nas duas cidades, baixando sobre elas um clima de preocupação, principalmente entre os professores, tendo em vista o que quase sempre acontecia quando os times de adultos de Cordeiro e Cantagalo se defrontavam: saíam no braço, felizmente sem maiores conseqüências. Por esta razão, o professor “Batistinha” foi ao gabinete do professor Messias fazer-lhe ver a “imprudência” de permitir que os meninos de Cantagalo jogassem com os de Cordeiro. “Vai correr sangue! Vai correr sangue”! bradava “Batistinha”, as faces trêmulas. Messias aproxima-se: “O professor Batista não está exagerando, não está sendo um tanto pessimista?” “Pessimista? Batistinha rebate. “Lavo as minhas mãos! Lavo as minhas mãos!”
Messias, então, sugere que se fizesse uma consulta democrática entre estudantes e professores de seu colégio. Os estudantes ganharam Professor Batista foi voto vencido.
E se feriu a partida no campo do Cordeiro, terminando em zero a zero e um curativo na testa de um aluno de Cantagalo.
“Poderia ter sido pior”, o professor Batista não dava o braço a torcer. E desce o pano...
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