sexta-feira, 28 de novembro de 2008

He resucitado muchas veces

Vitoriosa a revolução, Castro entra em Havana




"He resucitado muchas veces"


Notícias como a de que os Estados Unidos conceberam mais um plano de “democratização de Cuba” -- leia-se: invasão de Cuba -- dessa vez com a intenção de pô-lo em prática após a morte de Fidel Castro já não são mais novidade, tantas foram as tentativas, em várias ocasiões, de eliminá-lo; que o diga a CIA. E pelos cálculos de Washington, Castro, que fará 80 anos no próximo 13 de agosto, não deverá durar mais muito tempo. Não há , é voz corrente, quem fique para semente.
Tem-se, no entanto, a impressão de que Cuba desmente o axioma, posto que já décadas atrás se tinha conhecimento da existência de pelo menos cinco pessoas devidamente preparadas, cinco sementes deixadas em vida, para suceder a Castro através de escolha provavelmente pelo sistema de colégio eleitoral.
Mas o presidente cubano, ao discursar como convidado especial na XXX Cúpula do Mercosul, na cidade argentina de Córdoba, quando Néstor KIrchner transmitiu a presidência temporária do bloco regional ao seu colega brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, respondeu mais uma vez aos rumores que vez e outra correm o mundo de que estaria às portas da morte ou até mesmo de que já teria batido as botas, com poucas e boas palavras:
“Yo me muero casi todos los días, pero eso me divierte mucho, realmente, y me hace sentir más saludable; he resucitado muchas veces”.
Por sua vez, o presidente Kirchner inaugurou a XXX Cúpula do Mercosul enfatizando que a integração latino-americana deve ter “a solidariedade como bandeira”. E Castro, em seu pronunciamento de 40 minutos, destacou o apelo do presidente argentino aos sentimentos de solidariedade de cada nação do Continente Sul das Américas. Para que os países-membros do Mercosul em melhores condições econômicas que os demais não deixem de ajudá-los.
Castro deu de ombros ao plano dos Estados Unidos de infiltrarem-se em Cuba para derrubar a Revolução de 1959.
O anúncio da “democratização de Cuba” foi feito há dias, 10 de julho, por Condoleezza Rice, a secretária de Estado do presidente George W. Bush, cognominada princesa guerreira. Acredita-se que o plano, com um investimento inicial previsto de US$ 80 milhões, tenha saltado da cabeça da secretária, que depois de submetê-lo ao presidente e de tramitar por outras pastas e o serviço de inteligência, o passou à mídia com a denominação de Contrato com o povo de Cuba.
Lê-se na edição de 11 de julho do Globo que ”a maior parte dos recursos para acelerar o processo de democratização da ilha vai para a produção de projetos educativos, noticiários, programas de TV e de rádio, e de tecnologia para a difusão das informações em território cubano”. E mais: “Washington já divulgou anteriormente (!) que estuda sobrevoar a ilha com aviões militares adaptados, que teriam como objetivo transmitir sinais de rádio e TV”.

República ao longe

Como se falou anteriormente em república de empréstimo, numa paráfrase à expressão, usada por Euclides da Cunha em Os Sertões, “civilização de empréstimo”, vale transcrever em Notas Bolivarianas artigo publicado no jornal Última Hora, do Rio de Janeiro, a 16 de novembro de 1989.




República ao longe

- I -

Por Fernando Henriques Gonçalves



Ninguém derrubou o Império do Brasil. Ele caiu por si só, e não de todo. Diz-se que por ter procrastinado aos estertores a emancipação dos escravos. Mas não é este o ponto em discussão. Proclamou-se a República para quê? Um acidente histórico?! Que espécie de república é a nossa? Esdruxulamente, imperial?! Sabe-se apenas, por definição, que é presidencialista, como já foi parlamentarista, e que poderá vir a sê-lo outra vez.
O mais provável é que os vícios da Monarquia tenham acompanhado a República e que estaria faltando a esta uma bandeira social. A persistência do feudo na contextura nacional seria uma prova de que se vive num regime republicano de raízes monárquicas. A República herdou do Império o sistema de castas, da distribuição de privilégios, do mandonismo interno e da subserviência externa a países conhecidos hoje como credores de um endividamento crônico.
Curioso é que a transição do regime monárquico para o republicano teria começado pouco mais de 15 meses após a declaração da Independência, por força da Constituição brasileira de 11 de dezembro de 1823. Por essa época houve quem, de certo modo, desenvolvesse este raciocínio ao comentar o artigo, talvez, mais polêmico da Carta promulgada para Dom Pedro I imperar a seu jeito. O de nº 65, o qual estatui que “todas as vezes que as duas legislaturas, que se seguirem àquela que tiver aprovado o projeto, tornem sucessivamente a apresentá-lo nos mesmos
termos, entender-se-á que o imperador tem dado a sanção”.


República ao longe

- II -


Acerca da suspensibilidade do veto imperial tratada no capítulo IV -- Da proposição, discussão, sanção e promulgação das leis --, um autor que não pudemos identificar, porém certamente um constitucionalista, no livro por título Observações sobre a Carta Constitucional do Reino de Portugal e a Constituição do Brasil (edição de 1831 tirada na Officina Typographica de Casimir, Paris), assim se expressou:
“Os redatores da Constituição do Brasil deixaram-se iludir pelo pânico terror dos publicistas que impugnam o veto absoluto. Nem uns, nem outros advertiram que o veto suspensivo é tão incompatível com o governo monárquico, como a falta absoluta de veto. Tanto em um, como no outro caso, o monarca de chefe perpétuo que se dizia ser, do poder executivo, passa à qualidade de sê-lo meramente temporário, e por conseguinte o governo, em vez de monárquico, passa a ser uma república. E tal é, em virtude deste artigo, o império do Brasil”.
Então, Dom Pedro I passara, constitucionalmente, à chefia temporária de um governo; neste caso, republicano. Ou de um império em processo de metamorfose para república. Daí, em face das indefinições que a marcaram nestes 100 anos* oficiais de existência, deu-se um fenômeno inversamente bicéfalo: a República imperial.
A República brasileira ainda anda à procura da sua verdadeira identidade, ou de complementaridade, se é que efetivamente assim proceda. A fim de que possa consolidar-se será preciso, primeiro, se integralizar na forma de governo convencionada pela maioria das nações desenvolvidas do mundo contemporâneo, ficando o sistema de governo, que é outra coisa, para escolha à parte.



* Este artigo foi publicado na UH no ano do centenário da República. Agora, no próximo 15 de novembro, já serão 117 anos de vida republicana. (Nota do autor)

Canudos não fica em S. Paulo

Canudos não fica em S. Paulo


O governador de São Paulo, com toda impropriedade, associou a onda de violência desencadeada pela facção criminosa conhecida como Partido do Comando da Capital (PCC) à Guerra de Canudos. O governador Cláudio Lembo, se leu, não deve ter entendido a obra maior de Euclides da Cunha, Os Sertões, ou então a misturou, espertamente, com a Guerra do Fim do Mundo, de Vargas Llosa, cujas posições político-ideológicas estão centradas no neoliberalismo. E a Guerra de Llosa segue essa linha, fechando-se a trama novelesca no puro messianismo, distanciando-se o autor peruano o mais que pôde do foco real de acontecimentos por si só já tão insólitos.Em entrevista à Folha de S. Paulo (16 de julho de 2006) o mandatário paulista sustenta, a princípio, em outras palavras que, assim como ontem, quando Antônio Conselheiro e sua gente ficaram à margem da lei com a substituição do regime monárquico pelo republicano, “a batalha (sic) deles hoje é utilizar desprovidos economicamente para agredir o Estado nacional de Direito”.Quer dizer: eles, ontem, povoaram o arraial de Monte Santo, transformando-o em pouco tempo, pelas tintas de Euclides, na “Tróia de taipa dos jagunços” do Norte e Nordeste do país que atendiam ao “toque de chamada” -- a correr nos sertões -- para a luta desigual, na visão do escritor, contra uma “civilização de empréstimo”: não se deve ler também república?Falava-se nos jornais da época em “monarquismo revolucionário”. Sob a bandeira do Divino e o comando de um “gnóstico bronco” que a todos de seu séqüito, a cada dia mais caudaloso, dominava “sem o querer”? O diagnóstico sobre o Conselheiro é de Euclides, que entanto reconhecia nele o crepitar de certa virtude, estranha à civilização mas própria da Natureza com todas as suas imperfeições: desarmar os jagunços para o crime civilizado e rearmá-los para a santa missão de defender a “pau e tiro”, e a “parnaíba inseparável” pendendo da cinta, a comunidade de Canudos. A levantar santos e armas, brancas e de fogo, mais o pendão do Divino -- para garantia de um cantinho no Céu.Atesta Euclides da Cunha em Os Sertões que a Antônio Conselheiro, cujo nome batismal era Antônio Vicente Mendes Maciel , natural do Ceará, obedeciam incondicionalmente, e resume: “Naquela dispersão de ofícios, múltiplos e variáveis, onde ombreavam o tabaréu crendeiro e o fascínora despejado, estabelecera-se raro entrelaçamento de esforços; e a mais perfeita conformidade de vistas volvidas para um objetivo único: reagir à invasão iminente”.O que fez Canudos? Reagir à “marcha invasora” de cada expedição de uma república que mal rebentara e carregando nos impostos. À resistência -- conta Euclides -- ...”não faltavam lutadores famanazes, cujas aventuras de pasmar corriam pelo sertão inteiro”. E o profeta a pregar a “comunidade absoluta da terra, das pastagens e dos rebanhos” -- o comunitarismo dos primeiros cristãos.

Canudos não fica em São Paulo.

Vargas vive




Vargas vive - I -

Vargas rompe silêncio de mais de cinco décadas:




“A alta finança está governando o país”




por Fernando Henriques Gonçalves





Uma entrevista historiografada
com Getúlio Dornelles Vargas,
cujo pensamento a respeito da questão
social, econômica, política no Brasil
passa à atualidade, fielmente
aqui reproduzido. Vêmo-lo indignar-se
com a magia de cifras a que lança mão
o poder econômico-financeiro
para iludir o povo. Sobretudo, para
submeter as classes trabalhadoras
a uma escravidão monetária,
fazendo-as renunciar às “conquistas
sociais”: leis trabalhistas, previdenciárias,
o próprio d i r e i t o ao trabalho.
E ele abre fogo contra a “velha democracia
liberal”: altos juros, baixos salários.


Vargas vive - II -

“A alta finança estendeu seus tentáculos sobre o Brasil e está sugando tudo. E o governo toma as medidas em defesa dos interesses dessa política, que não pode ser uma política de Estado, porque é nociva, é contraproducente e agressiva às forças do trabalho e benéfica somente às forças da especulação”.
Assim reagiu o ex-presidente Getúlio Vargas à abertura, desvairada a seu ver, do país ao capital estrangeiro, dando-me ele a impressão de oscilar entre os anos 90, ainda na era Cardoso, e um novo século, já no governo Lula. De todo modo, numa clara alusão à política antiinflacionária adotada de forma a movimentar os dados do jogo não raro traiçoeiro da economia na direção da meta conceitual do Estado mínimo, disse que “o que se pretende é criar o monopólio do dinheiro, destruir todas as iniciativas produtivas, sufocar o nosso povo e obrigar os operários a mendigar trabalho”.
Como a relembrar o “malabarismo de cifras” do governo Dutra, no último quatriênio da década de 40, a supervalorização do capital estrangeiro aplicado no Brasil, Vargas estaria agora repetindo, já nestes tão conturbados começos do século XXI, observações que fizera, naquela época, ao discursar em maio de 1947 da tribuna do Senado. Foi enfático: “Não tínhamos, no Brasil (antes do governo Dutra, ou antes da era Cardoso?), o problema dos desempregados.(...) Os operários sofrerão as conseqüências da crise com o desemprego. Haverá mais oferta de braços do que procura. E os trabalhadores irão, pela fome, pela necessidade imediata e premente, renunciando às conquistas sociais e voltando à condição de escravos dos que possuem dinheiro”.
Pelo entendimento de Getúlio Vargas, “a criação do monopólio do dinheiro que se está efetuando no Brasil representa uma das mais impressionantes ofensivas do poder financeiro contra a produção e contra os valores de trabalho e de iniciativa”. Vargas enfatiza que “a alta finança (sic) está governando o país”.
Diz que “as forças da produção estão sendo subjugadas e aniquiladas”, acrescentando: “Não se pensa mais em produção; só se está cuidando no Brasil em fazer o jogo dos grupos financeiros que, possuidores de dinheiro, desejam valorizá-lo a todo custo com o sacrifício dos que não o possuem e dele precisam para desenvolver sua atividade”.
A seguir, observa que, “no choque entre as forças das finanças e da indústria, quem sofre é o trabalhador, condenado brutalmente, por essa luta, a conhecer misérias e angústias maiores do que as que já tinha de suportar. Nega-se ao trabalhador uma parcela de dinheiro para reajustamento de seus salários, alegando-se que isso afetará o custo da produção. Mas aumenta-se a parcela de juros do dinheiro”.
A seguir:
Dutra não socorre Vargas em 1938
e retoma o Estado Novo já em 1946.


Vargas vive - III -


Vargas em Porto Alegre (29 de novembro de 1946) diante de um carrossel de “partidos que, com nomes diferentes, significam a mesma coisa”. Estaria ele se lembrando de quando (7 de janeiro de 1938) comparava a “bronzes partidos”, que haviam perdido a sua sonoridade, as agremiações políticas dissolvidas no advento do Estado Novo? Esse regime, fruto de uma tramóia da Ação Integralista Brasileira, que à sombra do seu (apócrifo) Plano Cohen, o plano de uma espécie de Revolução Russa no Brasil, atribuído, portanto, aos comunistas, iniciara a sua marcha rumo ao poder, e lá talvez chegasse, ao topo, se Vargas não tivesse apanhado o pião discricionário na unha, durou de 10 de novembro de 1937 a 29 de outubro de 45.
O estadonovismo teve como condestável o então general Eurico Gaspar Dutra, elevado mais tarde ao marechalato, e como chefe de Polícia o capitão Filinto Müller, o terror em pessoa.
Dutra retomaria extraoficialmente o Estado Novo em 1946 (lembrai-vos do comício dissolvido a fogo de artilharia e a patas de cavalos em 23 de maio daquele ano no Largo da Carioca, Rio, e do retorno do PCB (Partido Comunista Brasileiro) à clandestinidade, e do rompimento de relações do Brasil com a União Soviética!), o Estado Novo agora voltado a escusos interesses externos. O fechamento dos cassinos, obra de dona Santinha, a Primeira Dama, serviu de cortina de fumaça.
E aí vai o paradoxo à primeira vista: fora ele, Dutra, o candidato de Getúlio Vargas, que supunha estar matando dois coelhos com uma só cajadada. Um era o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato oficial da “alta finança”, e o outro, o próprio general Dutra, em quem Vargas não confiava; por isso mesmo procurava mantê-lo sempre por perto a fim de vigiá-lo melhor, e já pensava em dar a volta por cima nas eleições de 1950, como de fato aconteceu.
Entretanto, por ter entrado no Catete, em 1951, pelas mãos do povo e com o povo, ao qual abrira as portas do palácio no dia de sua posse na presidência da República, viu-se naturalmente Vargas na obrigação de tratar, a partir de então, sempre de frente, e não com a cautela de outras luas, os magnos problemas nacionais, e acaba pisando num clamoroso formigueiro. Um dos conspiradores com assento na reunião ministerial da madrugada de 24 de agosto de 1954: Dutra, eminência parda do ciclo de Vargas.
Sem que eu lhe perguntasse, o dr. Getúlio esclarece que ao contrário do que se lê, hoje, em seu Diário lançado em 1995, em dois volumes, numa co-edição Siciliano/FGV, quando do ataque integralista de 1938 ao Palácio Guanabara, que resultou duas baixas na guarda palaciana, um soldado e um investigador, em um total, não mais, de quatro ou cinco patrulheiros, “Dutra não me socorreu”.

A seguir: “Surgiria um salvador da pátria, que seria um general” ...



Vargas vive - IV -

Instruídos pela Embaixada alemã, os atacantes passaram toda uma madrugada à procura de ângulos pelo palácio dos quais pudessem alvejar o presidente, que deixara seus aposentos, já caminhando por um dos corredores com um revólver na mão direita e um cinto de balas na esquerda.Alzirinha, Alzira Vargas, também armada, e já havia clareado, ao divisar junto ao muro um homem vestido de branco logo pensou: “É o comandante da patrulha!” Abre a janela, acena para ele. A resposta... Um tiro de fuzil. Indo a bala “alojar-se num canto da janela, à altura de minha cabeça”.
“E o homem de branco?” -- alguém pergunta.
“Era o capitão Severo Fournier” -- disse Alzirinha assessorando o dr. Getúlio em suas memórias, parciais, ditadas aos repórteres Rubens Vidal e Mário de Almeida Lima para a Revista do Globo, de Porto Alegre, que as publicava numa edição especial em agosto de 1950.
Tão poucos homens destacados, menos, na prática, para a segurança palaciana do que, por exemplo, para “chamar automóveis”, torna-se fácil concluir, segundo Alzirinha, que os atacantes não tinham a menor intenção de marchar palácio a dentro e dar voz de prisão a Vargas, mas sim de matá-lo a certa distância, atirando para as janelas.
O general Dutra encontrava-se nas imediações do Palácio Guanabara, com uma companhia de infantaria, quem sabe aguardando a hora de acabar com os integralistas, uma vez morto o presidente! Alzirinha: “Surgiria então um herói, um salvador da pátria -- que, naturalmente, seria um general -- que se apossaria do governo”. Ainda ela: “Somente às seis da manhã é que nos livramos daquele inferno, quando tio Benjamin (Benjamin Vargas, irmão do presidente) foi avisado do ataque e se dirigiu para o Guanabara com um caminhão cheio de soldados”.
Estamos, porém, no ano 2006, um ano eleitoral. Ou, precisamente, será mesmo?, em 1946. Quanto aos partidos de que se falava, e estou a imaginá-los mariposas em redor de lustres palacianos, têm ao parecer do chefe revolucionário de 1930 “a mesma substância política, social e econômica”, não sendo, pois, de estranhar “que venham a se reunir”.
-- Já na campanha deste ano? -- cutuco-o nas aparas da História.
O patrão de Alzirinha, como aquela sua filha e secretária particular o tratava, a Vargas, acaricia um havana por alguns segundos até se decidir a soltar a primeira baforada para além de minha indiscrição, referindo-se às siglas partidárias em foco:
-- São os expoentes da democracia burguesa, a velha democracia liberal, que afirma a liberdade política e nega a igualdade social.
-- Democracia liberal, hoje, dr. Getúlio, não é o capitalismo em recessão?

A seguir: O ambiente propício para as negociatas



Vargas vive - V -

-- Impera no Brasil -- ele responde em Porto Alegre (novembro de 1946) -- essa democracia capitalista, comodamente instalada na vida, que não sente a desgraça dos que sofrem e não percebem, às vezes, nem mesmo o indispensável para viver. Essa democracia facilita o ambiente propício para a criação dos trustes e monopólios, das negociatas (...), que exploram a miséria do povo. Ou a democracia capitalista, compreendendo a gravidade do momento, abre mão de suas vantagens e privilégios, facilitando a evolução para o socialismo, ou a luta se travará com os espoliados, que constituem a grande maioria, numa conturbação de resultados imprevisíveis para o futuro. A outra...
-- O senhor não soube do que aconteceu à União Soviética? -- interrompo -- E que derrubaram o Muro de Berlim? E que também derrubaram o maior cartão postal da América que eram as Torres Gêmeas? Chamuscando o Pentágono?
-- A outra...
-- E que os Estados Unidos saíram cuspindo fogo sobre o Oriente Médio? Tendo arrasado com o Iraque, além do Afeganistão?
-- A outra -- sei lá se o dr. Getúlio me ouviu ou não -- é a democracia socialista. A de mocracia dos trabalhadores. A esta eu me filio. Por ela combaterei em benefício da coletividade.
-- Mas... o senhor não está morto?
Ouve-se o tiro do suicídio do presidente, a ressoar no sentimento de cada cidadão verdadeiramente brasileiro. Oito horas e 35 minutos de 24 de agosto de 1954, Palácio do Catete. O tiro anterior, o de 5 de agosto lá pela rua Tonelero, Copacabana, fora disparado contra o jornalista Carlos Lacerda, adversário político de Vargas, por um desses pistoleiros que atiram em elefante errando o alvo, tendo atingido, mortalmente, o major (da Aeronáutica) Rubens Florentino Vaz, pelo que apurou a chamada República do Galeão.
“Tenho a impressão de me encontrar sobre um mar de lama”, desabafava o presidente logo às primeiras denúncias de envolvimento de sua Segurança no (suposto) atentado a Lacerda. E abria o Catete às investigações.
Eis o firme testemunho de Nelson Werneck Sodré: “A Lei 2004 (que criou a Petrobrás) é de outubro de 1953. Vargas não teria mais um ano de poder e de vida. Em agosto de 1954, quando, a propósito de crime comum, da alçada do delegado, articulou-se o golpe que se destinava a puni-lo (a Vargas) pelos seus pronunciamentos e pelos seus atos, três semanas foram suficientes para liquidá-lo. Três semanas em que se assistiu, novamente, a montagem e o desenvolvimento do mesmo tipo de manobra articulada à base dos meios de comunicação de massa, sob controle das forças antinacionais"...


Vargas vive - VI -

Foi ao saber-se deposto que Getúlio Vargas não hesitou em acionar o gatilho contra o próprio peito, uma vez redigida para essa eventualidade a sua carta-testamento, que é o maior libelo já inscrito na História da América Latina contra “grupos econômicos e financeiros internacionais”.
Num artigo que escreveu logo após o suicídio de Vargas e recusado, meses a fio, pela grande imprensa, até como matéria paga, só em agosto de 1955 publicado, no Jornal de Debates, Mattos Pimenta denunciava que ”o imenso poder econômico da Standard Oil” conseguira finalmente repetir em nosso país, “em outro estilo, as deposições ocorridas na Venezuela (Rômulo Gallegos) e no Irã (Mossadegh)”.
Em discurso dirigido aos trabalhadores, pronunciado a 1º de maio de 1951 em Volta Redonda, o presidente Vargas declarava: “Nesta parada cívica em que me tivestes ao vosso lado congregam-se dois esteios da nossa confiança no futuro do país: o advento de uma ordem social mais justa e o começo da grande indústria. Emancipação do trabalhador pelo reconhecimento dos seus direitos, emancipação econômica através da formação de uma indústria de base. Basta Volta Redonda para sagrar um governo de empreendimentos e realizações. Monumento que desafia a passagem dos anos, é um marco da nossa independência econômica”(...)
Passam-se os anos, e Volta Redonda foi a primeira a cair. No governo de Itamar Franco, e praticamente pelas mãos do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que era o ministro da Fazenda. Já no governo de Cardoso cai a Vale do Rio Doce, seguindo-se a abertura do mapa do imensurável tesouro do Brasil -- via Internet -- aos tentáculos da “alta finança”, diria Vargas, e depois de ter sido quebrado o monopólio estatal do petróleo: o passo de ganso para a entrega da Petrobrás ao garrote da liberália, o neoliberalismo, que se rege por uma doutrina (calvinista) norte-americana do século XIX, a do “destino manifesto”, calcada na dos “anjos (vitorianos) da paz”. Eram os piratas de S.M. a Rainha dos Mares, o Reino Unido, em franca vilegiatura por terras banhadas pelo rio de la Plata.
Aqui no Brasil, o primeiro herdeiro político de Getúlio Vargas: João Goulart, o Jango, que retomaria, com as denominadas Reformas de Base, o projeto de libertação econômica, social e política do país das garras do imperialismo, é apeado do poder através de uma conspiração internacional cujos botões logísticos se achavam instalados na embaixada americana e sua rede de consulados. O segundo e último herdeiro, Leonel de Moura Brizola, mal conseguiu alçar vôo -- morrendo na praia... Por culpa de nossas próprias esquerdas de Ipanema, que ajudaram o sistema dominante a enterrar de vez o trabalhismo nacional.
Posto tudo isso, pergunta-se: -- Terá valido o sacrifício de Vargas?

Populismo x Oligarquia
-- I -- por Fernando Henriques Gonçalves


O populismo da era Vargas, praticamente sinônimo de trabalhismo, criado e alimentado pelo caudilho do Rio Grande a fim de fazer frente ao udenismo -- com o Partido Social Democrático (PSD), também de sua criação, na retaguarda -- está de volta à mídia.
Em particular, à cabeça de políticos do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), sem nada a ver com o antigo PSD, que Getúlio Vargas pusera em cena, sob seu comando, para atender a parte da classe média, aos conservadores, às elites, enfim, pelo menos ao primeiro tato, a uma clientela de perfil udenista.
Basicamente, com o propósito de tirar votos da União Democrática Nacional (UDN), no que foi bem sucedido; nesses termos --eleitorais, apenas. Ao partido que tinha por lema uma frase atribuída a Thomas Jefferson(1): O preço da liberdade é a eterna vigilância, com Carlos Lacerda à testa, caberia o papel de armar ciladas contra Getúlio, sem imaginar que uma delas o levaria ao suicídio; mais apropriado, ao sacrifício, sob intensas, audaciosas, sufocantes pressões da Standard Oil por ter o presidente nacionalista instituído o monopólio estatal do petróleo e criado a Petrobrás.
Ao suicídio -- para não sofrer a desonra de ser preso e de “apodrecer”, como queria Lacerda, na república do Galeão (2).
(1) Presidente dos EUA em dois mandatos sucessivos, tendo antes, como parlamentar, presidido a comissão redatora da Ata da Independência.
(2) Denominação dada, em 1954, à Base Aérea do Galeão, onde a Aeronáutica instaurou, indevidamente, um inquérito policial-militar a fim de apurar responsabilidades na morte do major Rubens Florentino Vaz, da FAB, que reagira a um estranho atentado a Carlos Lacerda -- atingido de raspão num pé, segundo testemunhas. O major, afirma o jornalista Mauro Santayana, morrera não em serviço de rotina mas como “guarda-costas afetivo de um político da oposição”. Assim. O IPM foi instaurado, na verdade, já com a intenção de levar Getúlio, uma vez deposto, preso para a república do Galeão, o que só não se consumou devido ao gesto extremo do presidente. A morte de Vaz fora do seu expediente na Base Aérea, portanto, era um caso de polícia civil.
Agora, aos primeiros passos de um novo século, nunca se falou tanto em populismo no Brasil, quando se aproximam as eleições da maior importância geopolítica em toda a História republicana. Estarão em jogo ou em risco, a depender da direção dos ventos da política brasileira, ainda eivada de certos vícios, de herança oligárquica, valores culturais que se sobrepõem aos intrinsecamente econômicos; estes, deificados por governos de tendência social-democrata(3).
(3) O PSDB é fruto da Social Democracia européia, que Roberto Mangabeira Unger, em outubro de 2004, via como “um ídolo de barro”.

Populismo x Oligarquia
-- II --

Conquanto o partido do presidente Luís Inácio Lula da Silva tenha, em suas origens, voltado as costas ao trabalhismo de Vargas, Jango e Brizola, evitando, inclusive, até estes nossos dias, tocar na velha doutrina dos trabalhadores brasileiros, está-se diante de uma questão com duas opções apenas e inconciliáveis: entregar de vez o Brasil ao Império Americano, através da Alca, Área de livre comércio das Américas, ou manter o compromisso firmado na Constituição de 1988: “ buscar a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.
Através do Mercosul, Mercado Comum do Sul, que é uma realidade, agora com um quadro de sócios maior devido ao ingresso da Venezuela de Hugo Chávez, da Bolívia de Evo Morales, e que a social democracia tucana não digere de maneira alguma, sem falar na ilha caribenha de Fidel Castro, ao passo que a Alca mal existe no papel.
O presidenciável Geraldo Alckmin já declarou que sua opção é pelo multilateralismo econômico, por entender ser esta a tradição brasileira. Resumindo: um candidato conservador, ao gosto da Casa Branca, sendo provável que o seja, também, da União Européia, com algumas exceções discretas dentro do bloco. E do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, apesar dele considerar conservadoras, quando eram verdadeiramente progressistas, as idéias que impulsaram o nosso país nos campos social, econômico e cultural lá pelos picos da era Vargas, a mais produtiva e revolucionária, patriótica, já vivida pelos brasileiros.
Uma era populista? Sim. Na introdução de um ensaio de Nelson Werneck Sodré, Populismo - a confusão conceitual, Eduardo Chuahy destaca que já em 1931 Getúlio legalizava a “luta pelas reivindicações operárias” e iniciava o “processo de estatização dos setores básicos da economia que anteriormente se encontravam nas mãos das oligarquias”, tendo sido criados, por essa época, o Conselho Federal do Café e o Instituto do Cacau. E que, a par disso, decretava a “moratória da dívida externa, para dois anos depois negociar seu pagamento em melhores condições, preservando assim as riquezas nacionais”.
Em 1932, pelas mãos de Gegê, o trabalhador conquista a Carteira de Trabalho, a jornada de oito horas, o salário igual para trabalho igual e a licença-maternidade; em 1933, tem regulamentadas as férias anuais. Ainda em 33, Getúlio revoga concessões de terras da Amazônia, feitas antes dele, a empresas norte-americanas e canadenses. E, em 34, promulga o Código de Minas e o de Águas, como explica Chuahy, “garantindo a nacionalização das riquezas do subsolo e incorporando-as ao patrimônio nacional”.
Graças ao populismo de Vargas.