sexta-feira, 28 de novembro de 2008

República ao longe

Como se falou anteriormente em república de empréstimo, numa paráfrase à expressão, usada por Euclides da Cunha em Os Sertões, “civilização de empréstimo”, vale transcrever em Notas Bolivarianas artigo publicado no jornal Última Hora, do Rio de Janeiro, a 16 de novembro de 1989.




República ao longe

- I -

Por Fernando Henriques Gonçalves



Ninguém derrubou o Império do Brasil. Ele caiu por si só, e não de todo. Diz-se que por ter procrastinado aos estertores a emancipação dos escravos. Mas não é este o ponto em discussão. Proclamou-se a República para quê? Um acidente histórico?! Que espécie de república é a nossa? Esdruxulamente, imperial?! Sabe-se apenas, por definição, que é presidencialista, como já foi parlamentarista, e que poderá vir a sê-lo outra vez.
O mais provável é que os vícios da Monarquia tenham acompanhado a República e que estaria faltando a esta uma bandeira social. A persistência do feudo na contextura nacional seria uma prova de que se vive num regime republicano de raízes monárquicas. A República herdou do Império o sistema de castas, da distribuição de privilégios, do mandonismo interno e da subserviência externa a países conhecidos hoje como credores de um endividamento crônico.
Curioso é que a transição do regime monárquico para o republicano teria começado pouco mais de 15 meses após a declaração da Independência, por força da Constituição brasileira de 11 de dezembro de 1823. Por essa época houve quem, de certo modo, desenvolvesse este raciocínio ao comentar o artigo, talvez, mais polêmico da Carta promulgada para Dom Pedro I imperar a seu jeito. O de nº 65, o qual estatui que “todas as vezes que as duas legislaturas, que se seguirem àquela que tiver aprovado o projeto, tornem sucessivamente a apresentá-lo nos mesmos
termos, entender-se-á que o imperador tem dado a sanção”.


República ao longe

- II -


Acerca da suspensibilidade do veto imperial tratada no capítulo IV -- Da proposição, discussão, sanção e promulgação das leis --, um autor que não pudemos identificar, porém certamente um constitucionalista, no livro por título Observações sobre a Carta Constitucional do Reino de Portugal e a Constituição do Brasil (edição de 1831 tirada na Officina Typographica de Casimir, Paris), assim se expressou:
“Os redatores da Constituição do Brasil deixaram-se iludir pelo pânico terror dos publicistas que impugnam o veto absoluto. Nem uns, nem outros advertiram que o veto suspensivo é tão incompatível com o governo monárquico, como a falta absoluta de veto. Tanto em um, como no outro caso, o monarca de chefe perpétuo que se dizia ser, do poder executivo, passa à qualidade de sê-lo meramente temporário, e por conseguinte o governo, em vez de monárquico, passa a ser uma república. E tal é, em virtude deste artigo, o império do Brasil”.
Então, Dom Pedro I passara, constitucionalmente, à chefia temporária de um governo; neste caso, republicano. Ou de um império em processo de metamorfose para república. Daí, em face das indefinições que a marcaram nestes 100 anos* oficiais de existência, deu-se um fenômeno inversamente bicéfalo: a República imperial.
A República brasileira ainda anda à procura da sua verdadeira identidade, ou de complementaridade, se é que efetivamente assim proceda. A fim de que possa consolidar-se será preciso, primeiro, se integralizar na forma de governo convencionada pela maioria das nações desenvolvidas do mundo contemporâneo, ficando o sistema de governo, que é outra coisa, para escolha à parte.



* Este artigo foi publicado na UH no ano do centenário da República. Agora, no próximo 15 de novembro, já serão 117 anos de vida republicana. (Nota do autor)

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