República ao longe
- I -
Por Fernando Henriques Gonçalves
Ninguém derrubou o Império do Brasil. Ele caiu por si só, e não de todo. Diz-se que por ter procrastinado aos estertores a emancipação dos escravos. Mas não é este o ponto em discussão. Proclamou-se a República para quê? Um acidente histórico?! Que espécie de república é a nossa? Esdruxulamente, imperial?! Sabe-se apenas, por definição, que é presidencialista, como já foi parlamentarista, e que poderá vir a sê-lo outra vez.
O mais provável é que os vícios da Monarquia tenham acompanhado a República e que estaria faltando a esta uma bandeira social. A persistência do feudo na contextura nacional seria uma prova de que se vive num regime republicano de raízes monárquicas. A República herdou do Império o sistema de castas, da distribuição de privilégios, do mandonismo interno e da subserviência externa a países conhecidos hoje como credores de um endividamento crônico.
Curioso é que a transição do regime monárquico para o republicano teria começado pouco mais de 15 meses após a declaração da Independência, por força da Constituição brasileira de 11 de dezembro de 1823. Por essa época houve quem, de certo modo, desenvolvesse este raciocínio ao comentar o artigo, talvez, mais polêmico da Carta promulgada para Dom Pedro I imperar a seu jeito. O de nº 65, o qual estatui que “todas as vezes que as duas legislaturas, que se seguirem àquela que tiver aprovado o projeto, tornem sucessivamente a apresentá-lo nos mesmos
termos, entender-se-á que o imperador tem dado a sanção”.
República ao longe
- II -
Acerca da suspensibilidade do veto imperial tratada no capítulo IV -- Da proposição, discussão, sanção e promulgação das leis --, um autor que não pudemos identificar, porém certamente um constitucionalista, no livro por título Observações sobre a Carta Constitucional do Reino de Portugal e a Constituição do Brasil (edição de 1831 tirada na Officina Typographica de Casimir, Paris), assim se expressou:
“Os redatores da Constituição do Brasil deixaram-se iludir pelo pânico terror dos publicistas que impugnam o veto absoluto. Nem uns, nem outros advertiram que o veto suspensivo é tão incompatível com o governo monárquico, como a falta absoluta de veto. Tanto em um, como no outro caso, o monarca de chefe perpétuo que se dizia ser, do poder executivo, passa à qualidade de sê-lo meramente temporário, e por conseguinte o governo, em vez de monárquico, passa a ser uma república. E tal é, em virtude deste artigo, o império do Brasil”.
Então, Dom Pedro I passara, constitucionalmente, à chefia temporária de um governo; neste caso, republicano. Ou de um império em processo de metamorfose para república. Daí, em face das indefinições que a marcaram nestes 100 anos* oficiais de existência, deu-se um fenômeno inversamente bicéfalo: a República imperial.
A República brasileira ainda anda à procura da sua verdadeira identidade, ou de complementaridade, se é que efetivamente assim proceda. A fim de que possa consolidar-se será preciso, primeiro, se integralizar na forma de governo convencionada pela maioria das nações desenvolvidas do mundo contemporâneo, ficando o sistema de governo, que é outra coisa, para escolha à parte.
* Este artigo foi publicado na UH no ano do centenário da República. Agora, no próximo 15 de novembro, já serão 117 anos de vida republicana. (Nota do autor)
Por Fernando Henriques Gonçalves
Ninguém derrubou o Império do Brasil. Ele caiu por si só, e não de todo. Diz-se que por ter procrastinado aos estertores a emancipação dos escravos. Mas não é este o ponto em discussão. Proclamou-se a República para quê? Um acidente histórico?! Que espécie de república é a nossa? Esdruxulamente, imperial?! Sabe-se apenas, por definição, que é presidencialista, como já foi parlamentarista, e que poderá vir a sê-lo outra vez.
O mais provável é que os vícios da Monarquia tenham acompanhado a República e que estaria faltando a esta uma bandeira social. A persistência do feudo na contextura nacional seria uma prova de que se vive num regime republicano de raízes monárquicas. A República herdou do Império o sistema de castas, da distribuição de privilégios, do mandonismo interno e da subserviência externa a países conhecidos hoje como credores de um endividamento crônico.
Curioso é que a transição do regime monárquico para o republicano teria começado pouco mais de 15 meses após a declaração da Independência, por força da Constituição brasileira de 11 de dezembro de 1823. Por essa época houve quem, de certo modo, desenvolvesse este raciocínio ao comentar o artigo, talvez, mais polêmico da Carta promulgada para Dom Pedro I imperar a seu jeito. O de nº 65, o qual estatui que “todas as vezes que as duas legislaturas, que se seguirem àquela que tiver aprovado o projeto, tornem sucessivamente a apresentá-lo nos mesmos
termos, entender-se-á que o imperador tem dado a sanção”.
República ao longe
- II -
Acerca da suspensibilidade do veto imperial tratada no capítulo IV -- Da proposição, discussão, sanção e promulgação das leis --, um autor que não pudemos identificar, porém certamente um constitucionalista, no livro por título Observações sobre a Carta Constitucional do Reino de Portugal e a Constituição do Brasil (edição de 1831 tirada na Officina Typographica de Casimir, Paris), assim se expressou:
“Os redatores da Constituição do Brasil deixaram-se iludir pelo pânico terror dos publicistas que impugnam o veto absoluto. Nem uns, nem outros advertiram que o veto suspensivo é tão incompatível com o governo monárquico, como a falta absoluta de veto. Tanto em um, como no outro caso, o monarca de chefe perpétuo que se dizia ser, do poder executivo, passa à qualidade de sê-lo meramente temporário, e por conseguinte o governo, em vez de monárquico, passa a ser uma república. E tal é, em virtude deste artigo, o império do Brasil”.
Então, Dom Pedro I passara, constitucionalmente, à chefia temporária de um governo; neste caso, republicano. Ou de um império em processo de metamorfose para república. Daí, em face das indefinições que a marcaram nestes 100 anos* oficiais de existência, deu-se um fenômeno inversamente bicéfalo: a República imperial.
A República brasileira ainda anda à procura da sua verdadeira identidade, ou de complementaridade, se é que efetivamente assim proceda. A fim de que possa consolidar-se será preciso, primeiro, se integralizar na forma de governo convencionada pela maioria das nações desenvolvidas do mundo contemporâneo, ficando o sistema de governo, que é outra coisa, para escolha à parte.
* Este artigo foi publicado na UH no ano do centenário da República. Agora, no próximo 15 de novembro, já serão 117 anos de vida republicana. (Nota do autor)
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