Populismo x Oligarquia
-- I -- por Fernando Henriques Gonçalves
O populismo da era Vargas, praticamente sinônimo de trabalhismo, criado e alimentado pelo caudilho do Rio Grande a fim de fazer frente ao udenismo -- com o Partido Social Democrático (PSD), também de sua criação, na retaguarda -- está de volta à mídia.
Em particular, à cabeça de políticos do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), sem nada a ver com o antigo PSD, que Getúlio Vargas pusera em cena, sob seu comando, para atender a parte da classe média, aos conservadores, às elites, enfim, pelo menos ao primeiro tato, a uma clientela de perfil udenista.
Basicamente, com o propósito de tirar votos da União Democrática Nacional (UDN), no que foi bem sucedido; nesses termos --eleitorais, apenas. Ao partido que tinha por lema uma frase atribuída a Thomas Jefferson(1): O preço da liberdade é a eterna vigilância, com Carlos Lacerda à testa, caberia o papel de armar ciladas contra Getúlio, sem imaginar que uma delas o levaria ao suicídio; mais apropriado, ao sacrifício, sob intensas, audaciosas, sufocantes pressões da Standard Oil por ter o presidente nacionalista instituído o monopólio estatal do petróleo e criado a Petrobrás.
Ao suicídio -- para não sofrer a desonra de ser preso e de “apodrecer”, como queria Lacerda, na república do Galeão (2).
(1) Presidente dos EUA em dois mandatos sucessivos, tendo antes, como parlamentar, presidido a comissão redatora da Ata da Independência.
(2) Denominação dada, em 1954, à Base Aérea do Galeão, onde a Aeronáutica instaurou, indevidamente, um inquérito policial-militar a fim de apurar responsabilidades na morte do major Rubens Florentino Vaz, da FAB, que reagira a um estranho atentado a Carlos Lacerda -- atingido de raspão num pé, segundo testemunhas. O major, afirma o jornalista Mauro Santayana, morrera não em serviço de rotina mas como “guarda-costas afetivo de um político da oposição”. Assim. O IPM foi instaurado, na verdade, já com a intenção de levar Getúlio, uma vez deposto, preso para a república do Galeão, o que só não se consumou devido ao gesto extremo do presidente. A morte de Vaz fora do seu expediente na Base Aérea, portanto, era um caso de polícia civil.
Agora, aos primeiros passos de um novo século, nunca se falou tanto em populismo no Brasil, quando se aproximam as eleições da maior importância geopolítica em toda a História republicana. Estarão em jogo ou em risco, a depender da direção dos ventos da política brasileira, ainda eivada de certos vícios, de herança oligárquica, valores culturais que se sobrepõem aos intrinsecamente econômicos; estes, deificados por governos de tendência social-democrata(3).
(3) O PSDB é fruto da Social Democracia européia, que Roberto Mangabeira Unger, em outubro de 2004, via como “um ídolo de barro”.
Populismo x Oligarquia
-- II --
Conquanto o partido do presidente Luís Inácio Lula da Silva tenha, em suas origens, voltado as costas ao trabalhismo de Vargas, Jango e Brizola, evitando, inclusive, até estes nossos dias, tocar na velha doutrina dos trabalhadores brasileiros, está-se diante de uma questão com duas opções apenas e inconciliáveis: entregar de vez o Brasil ao Império Americano, através da Alca, Área de livre comércio das Américas, ou manter o compromisso firmado na Constituição de 1988: “ buscar a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.
Através do Mercosul, Mercado Comum do Sul, que é uma realidade, agora com um quadro de sócios maior devido ao ingresso da Venezuela de Hugo Chávez, da Bolívia de Evo Morales, e que a social democracia tucana não digere de maneira alguma, sem falar na ilha caribenha de Fidel Castro, ao passo que a Alca mal existe no papel.
O presidenciável Geraldo Alckmin já declarou que sua opção é pelo multilateralismo econômico, por entender ser esta a tradição brasileira. Resumindo: um candidato conservador, ao gosto da Casa Branca, sendo provável que o seja, também, da União Européia, com algumas exceções discretas dentro do bloco. E do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, apesar dele considerar conservadoras, quando eram verdadeiramente progressistas, as idéias que impulsaram o nosso país nos campos social, econômico e cultural lá pelos picos da era Vargas, a mais produtiva e revolucionária, patriótica, já vivida pelos brasileiros.
Uma era populista? Sim. Na introdução de um ensaio de Nelson Werneck Sodré, Populismo - a confusão conceitual, Eduardo Chuahy destaca que já em 1931 Getúlio legalizava a “luta pelas reivindicações operárias” e iniciava o “processo de estatização dos setores básicos da economia que anteriormente se encontravam nas mãos das oligarquias”, tendo sido criados, por essa época, o Conselho Federal do Café e o Instituto do Cacau. E que, a par disso, decretava a “moratória da dívida externa, para dois anos depois negociar seu pagamento em melhores condições, preservando assim as riquezas nacionais”.
Em 1932, pelas mãos de Gegê, o trabalhador conquista a Carteira de Trabalho, a jornada de oito horas, o salário igual para trabalho igual e a licença-maternidade; em 1933, tem regulamentadas as férias anuais. Ainda em 33, Getúlio revoga concessões de terras da Amazônia, feitas antes dele, a empresas norte-americanas e canadenses. E, em 34, promulga o Código de Minas e o de Águas, como explica Chuahy, “garantindo a nacionalização das riquezas do subsolo e incorporando-as ao patrimônio nacional”.
Graças ao populismo de Vargas.
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