sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Canudos não fica em S. Paulo

Canudos não fica em S. Paulo


O governador de São Paulo, com toda impropriedade, associou a onda de violência desencadeada pela facção criminosa conhecida como Partido do Comando da Capital (PCC) à Guerra de Canudos. O governador Cláudio Lembo, se leu, não deve ter entendido a obra maior de Euclides da Cunha, Os Sertões, ou então a misturou, espertamente, com a Guerra do Fim do Mundo, de Vargas Llosa, cujas posições político-ideológicas estão centradas no neoliberalismo. E a Guerra de Llosa segue essa linha, fechando-se a trama novelesca no puro messianismo, distanciando-se o autor peruano o mais que pôde do foco real de acontecimentos por si só já tão insólitos.Em entrevista à Folha de S. Paulo (16 de julho de 2006) o mandatário paulista sustenta, a princípio, em outras palavras que, assim como ontem, quando Antônio Conselheiro e sua gente ficaram à margem da lei com a substituição do regime monárquico pelo republicano, “a batalha (sic) deles hoje é utilizar desprovidos economicamente para agredir o Estado nacional de Direito”.Quer dizer: eles, ontem, povoaram o arraial de Monte Santo, transformando-o em pouco tempo, pelas tintas de Euclides, na “Tróia de taipa dos jagunços” do Norte e Nordeste do país que atendiam ao “toque de chamada” -- a correr nos sertões -- para a luta desigual, na visão do escritor, contra uma “civilização de empréstimo”: não se deve ler também república?Falava-se nos jornais da época em “monarquismo revolucionário”. Sob a bandeira do Divino e o comando de um “gnóstico bronco” que a todos de seu séqüito, a cada dia mais caudaloso, dominava “sem o querer”? O diagnóstico sobre o Conselheiro é de Euclides, que entanto reconhecia nele o crepitar de certa virtude, estranha à civilização mas própria da Natureza com todas as suas imperfeições: desarmar os jagunços para o crime civilizado e rearmá-los para a santa missão de defender a “pau e tiro”, e a “parnaíba inseparável” pendendo da cinta, a comunidade de Canudos. A levantar santos e armas, brancas e de fogo, mais o pendão do Divino -- para garantia de um cantinho no Céu.Atesta Euclides da Cunha em Os Sertões que a Antônio Conselheiro, cujo nome batismal era Antônio Vicente Mendes Maciel , natural do Ceará, obedeciam incondicionalmente, e resume: “Naquela dispersão de ofícios, múltiplos e variáveis, onde ombreavam o tabaréu crendeiro e o fascínora despejado, estabelecera-se raro entrelaçamento de esforços; e a mais perfeita conformidade de vistas volvidas para um objetivo único: reagir à invasão iminente”.O que fez Canudos? Reagir à “marcha invasora” de cada expedição de uma república que mal rebentara e carregando nos impostos. À resistência -- conta Euclides -- ...”não faltavam lutadores famanazes, cujas aventuras de pasmar corriam pelo sertão inteiro”. E o profeta a pregar a “comunidade absoluta da terra, das pastagens e dos rebanhos” -- o comunitarismo dos primeiros cristãos.

Canudos não fica em São Paulo.

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