segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

O fio da droga II

O fio da droga (1)


-- II --

A Máfia se plantou nos Estados Unidos ainda no século XIX, lá conhecida, por essa época, como Mão Negra. Em 1891, cinco mafiosos trancafiados em Nova Orleans, por quase terem tomado o governo local após eliminar o chefe de polícia, foram retirados da cadeia por populares revoltados com as penas leves que lhes haviam sido impostas, num julgamento em que a maioria do corpo de jurados parecera ligada àquela organização, e linchados. Entretanto, sem a carga de ódio da Ku-Klux-Klan aos negros.
É verdade que o sistema norte-americano está de certo modo calcado na Ku-Klux-Klan, quanto ao tratamento de “seres inferiores” dispensado aos mestiços da América Latina e o Caribe, mas foi a Máfia que lhe serviu de lente de aumento para suas intervenções imperialistas, sem que se esqueça a matriz realmente histórica: a Inglaterra; aliás, tão racista que, ao contrário da Espanha, da França e de Portugal, evitou a miscigenação no tempo das colonizações.
Sem nenhuma margem de erro, pode-se afirmar que os sucessivos governos dos EUA, sejam os do Partido Republicano ou do Democrata, até nossos dias, conduziram sua política externa inspirados na maneira de agir da Máfia, que encontrou solo fértil para propagar-se rapidamente, no estilo dos grandes monopólios, pelas principais cidades da poderosa nação do Norte. Americanizando-se, ao ponto de ensinar economia de mercado aos próprios homens da lei expansionista. Conservando apenas os termos do juramento original para cada novo membro:
“Juro, perante Deus, que prestarei assistência aos meus irmãos em dificuldade, mesmo com o risco de minha própria vida,. Juro que vingarei o mal causado a meus irmãos como se o fosse a mim mesmo. Juro que não pedirei auxílio à polícia, nem a nenhuma outra entidade civil. Juro que não divulgarei, em qualquer circunstância, os nomes de meus irmãos. Juro que executarei todas as ordens do Conselho dos Amigos sem perguntar a razão. Aceito que todo irmão que desobedecer a esta lei seja punido com a morte. Em nome do Santo, cuja imagem reguei com o meu sangue, juro tudo isto. Amém”.
Salvatore Lucky Luciano, o mafioso que em 1943, na 2ª Guerra Mundial, abriu as portas da Sicília às tropas anglo-norte-americanas, passara galhardamente por aquela prova: preso, nenhuma forma de interrogatório policial fizera com que apontasse qualquer de seus “irmãos” ou locais em que operavam. Por isso mesmo, dele se socorreram os EUA para o desembarque seguro na Itália, com toda a cobertura da Cosa Nostra nativa, e Lucky virou herói de guerra secreta.
A partir daí, a Máfia, ou Mão Negra, pôde consolidar posições dentro dos Estados Unidos. O tráfico e o consumo de entorpecentes começaram a fazer parte do american way of life, para exportação, num estereótipo que causaria inveja a Al Capone com os seus negócios de alta rotatividade e rentabilidade nos anos 20, os anos dourados do gangsterismo em Chicago, em Nova Iorque. Al Capone não era dos quadros da Máfia, porém absorvera-lhe os métodos, tal como fariam as próprias autoridades estadunidenses com relação à América Latina e outras regiões vulneráveis do planeta. Admitindo-se agora a inclusão, quem sabe, também do Leste europeu.
O neo-colonialismo não vacila em utilizar expedientes, os mais condenáveis, para alicerçar seus domínios no Hemisfério Sul, notadamente na América Central, a única parte de toda a região que tem oferecido alguma resistência. E a droga é o pano de fundo para novas encenações imperialistas. A reação enérgica da Colômbia ao bloqueio ensaiado pelos EUA em águas do Caribe não demoverá o governo Bush de seus planos belicistas contra a Nicarágua.


(1) Ultima Hora, UH opinião, p.4, 19 de janeiro de1990

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