quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O jogo das parecenças


Já na Guerra do Paraguai (1864-70) se falava em armas biológicas, e o assunto virou polêmica à época. Enfim, as guerras se sucedem, dos bacamartes aos mísseis que vimos ainda no século xx pela tevê – explodir impiedosos sobre Bagdá, sobre a História da Humanidade. Uma ‘noite de São Bartolomeu’ acionada em computadores... Antes, porém, o presidente George W. Bush sendo penteado por trás pelo câmera a fim de apresentar-se aos telespectadores com o cabelo em boa forma e com a presunção, diga-se pelo caminho, de assemelhar-se a Robert Taylor na co-produção EUA-URSS Canção da Rússia ainda que uma vez na vida. Mas ninguém poderia imaginar que aquele filme fosse tornar-se prenúncio de uma Guerra Fria tocada a manivela com fole pelo senador Joseph McCarthy e suas implicações em Sing-Sing, com a execução dos cientistas Julius e Ethel Rosenberg na cadeira elétrica, acusados de passar segredos nucleares a Moscou.
Joga-se damas na praça da Cruz Vermelha, xadrez, bombas inteligentes em círculos pelos céus do Oriente Próximo, o Sou Eu – mais apropriado a moças em noite de chuva no Engenho do Mato, o jôgo da velha, o do encouraçado, bisca, o jogo de malha em terreiro de antigas fazendas de café, e por aí vai. Esqueceram-se foi do jogo das parecenças.
E em que consiste este jogo? Muito simples: pega-se, para começar, duas figuras de combatentes, com ou sem estrelas nos ombros, ou mesmo duas peças de qualquer coisa que as representem, só não valendo caroços de feijão ou de milho, que podem
escorregar para debaixo da mesa.
Feito isso, inicia-se o jogo, dele participando de duas a seis pessoas – dependendo da capacidade da mesa. E o objetivo é avaliar os conhecimentos de cada uma delas em guerras mundiais. A partir da II Grande Guerra – a guerra de países aliados ocidentais contra a Alemanha nazis, a Itália de Mussoline, o Japão de Hiroíto, e o conflito baseado em Moscou, paralelo ao das tropas sob o comando de Eisenhower, ou seja, o nomeado por Stalin como a Grande Guerra Patriótica. Ironicamente, ou sem nenhuma ironia, a primeira a atingir solo do Reichstag, quando faz a troca da Suástica pela bandeira da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, nela pontificando a foice e o martelo – símbolo de um mundo em construção.
Querem um exemplo de como se joga o parecenças/ Vamos lá. Inicia-se, cada jogador, fazendo de conta estar formando cartas de um mesmo naipe, abertas para seu rosto, às escondidas, portanto, do adversário. As cartas irreais são figurinhas de combatentes de guerra, oficiais de cavalaria, marechais de campo, tropas de elite das SS etc, cotejados com militares de Norteamérica do século XXI cuja altivez se reflete em suas minúsculas lentes oculares, o toque de elegância de oficiais da Gestapo, De resto, será só comparar a figura de um Donald Rumsfeld, secretário da Defesa dos Estados Unidos na gestão do presidente George W. Bush a algum dos oficiais das SS. Bush cobriu de elogios a Rumsfeld, terminada a 2ª ou 3ª Guerra do Golfo (houve tantas guerras assim no Golfo Pérsico ou as inventaram? a ponto de aquele presidente dizer que
até pelos olhos ele, Rumsfeld, irradiava confiança e simpatia... De todo modo, um figuraço a cair como uma luva para o jogo das parecenças; não acham?



*plis plas
O Brasil guarda luto por três dias juntamente com os demais países da América Latina, irmanados no clima de consternação que baixou inesperadamene sobre nosso continente Sul pelo falecimento do ex- presidente da República Argentina, Néstor Kirshner, uma voz que se cala em defesa inflexível do projeto de integração latino-americana. E que se fará ouvir, em pensamento, sempre que dela necessitarem os povos irmãos ibero-americanos.

*O Instituto Latino-Americano de Cultura Ilac-Brasil, entidade civil sem fins lucrativos, com sede no Rio de Janeiro, fundado em 25 de outubro de 1985 sob a presidência de honra do general e historiador Nelson Werneck Sodré, tendo como patrono o poeta Pablo Neruda, associa-se às homenagens que estão sendo prestadas de todas as partes do mundo à memória de Néstor Kirshner.

O Ilac-Brasil vem, ainda, solicitar ao gabinete civil da Casa Rosada que faça chegar à Senhora Presidenta Cristina Fernández de Kirshner as mais sentidas manifestações de pesar pelo vazio que se abre no cenário político intercontinental.

Néstor Kirshner morre aos 60 anos. Advogado, abandonou a banca para dedicar-se à política, e o fez como se lhe tivesse o eleitorado conferido uma honraria. Pautava seus atos nos princípios do Direito. Por este diapasão, acolheram-no com as honras de um estadista voltado aos interesses de s eu povo e da agremiação política que escolhera e à qual manteve-se fiel em seus dias. Casado com Cristina Fernández, agora na chefia do governo da Argentina, a quem conheceu em um comício político dos peronistas, a partir daí estavam sempre juntos dentro e fora do palanque.





sábado, 16 de outubro de 2010

Presidenta, não tenha medo dos gurkas!


Em 20 de junho de 1820 morre em Buenos Aires o general Manuel Belgrano, herói nacional, quem criou a bandeira da República Argentina, a ‘celeste y blanca’, que viria tremular no arquipélago das Malvinas de 2 de abril a 13 de junho de l982. Em verdade, porém, a data de 2 de abril assinala, não propriamente o início da guerra e sim a reocupação militar platense – sem tiros ou troca de tiros, o que não configura, obviamente, um confronto de tropas - das ilhas descobertas pelo navegador italiano Américo Vespucio nada menos de l86 anos antes de o britânico John Strong, predador de faunas marinhas, ter anunciado sua passagem por lá. Foi Strong o autor da chancela de Falklands posta sobre aquelas ilhas - localizadas a uma distância praticamente imensurável de Londres, e não o avô do poeta Lord Byron, John Byron, a quem as Letras jurídicas impropriamente atribuem tal feito.
Assim, o conflito no Atlântico Sul iniciou-se dias após ter a primeira ministra Margaret Thatcher formalizado a declaração de guerra à Argentina ao subir à tribuna do parlamento já anunciando o envio de uma força-tarefa da Royal Navy, uma das unidades mais bem armadas da OTAN, Organização do Tratado do Atlântico Norte , ao arquipélago retomado pelos platenses sob o comando do tenente-general Leopoldo Galtieri, último militar a assumir o governo da Argentina logo após o golpe assestado nas instituições pelo tenente-general Jorge Rafael Videla, que apeara do poder Isabelita Perón.
A biografia de Isabel Martinez, que após casar-se com Juan Domingo Perón, além de acrescentar ao seu nome o dele, passou a chamar-se Isabelita nos círculos sociais e, de certo modo, também oficiais, teve uma vida bastante atribulada, fruto de sua inexperiência menos política do que de governabilidade. Como ex-atriz de teatro, não lhe foi difícil representar aos olhos, à percepção apressada de muitos até certo ponto, na vida real, a primeira mulher de Perón, Evita. Mas estava longe de parecer-se com ela. Esvaíra-se a época em que o peronismo, designativo emanado do Partido Justicialista, que foi fundado por Perón, havia conquistado as ruas, com Evita: uma nuvem a carregar uma estrela de brilho intenso, que passara.

Evita falava por ela mesma, influía nas decisões políticas e administrativas do presidente Perón. Por isso mesmo, era amada pelo povo, que a ela apunha toda sua confiança. Já Isabel, que concorrera às eleições de setembro de 1973 secundando a chapa encabeçada por Juan Domingo Perón, o qual morreria quase um ano depois, assumindo então o governo Isabelita, era como sombra do ministro do Bem Estar Social, José López Rega, que recebera o codinome ‘El Brujo’.
Em 1974, Maria Estela Martinez de Perón, sob a influência de ‘El Brujo’, nomeia o tenente general Jorge Rafael Videla comandante em chefe do Exército. Dava-lhe carta branca para fazer o que bem lhe aprouvesse. E Videla aplica o golpe de Estado dois anos depois. A partir daí, escurece o tempo na Argentina...
O país experimenta o mais sangrento terrorismo de Estado de que se teve notícia na América Latina e o Caribe, batendo o Brasil com sua longa ditadura da História recente em desaparecimentos políticos, sendo de mencionar “la noche de los lapices’, em que foram lançados de helicóptero ao mar estudantes secundaristas acusados de promover reuniões ‘subversivas’ na antiga Escola União, da cidade de La Plata, dos quais Pablo Diaz, único sobrevivente, testemunhou em juízo, mais tarde, o massacre.
Formavam a tríade do terror que empunhou ‘las riendas’ da Argentina naquele período o tenente general Videla, o almirante Emílio Massera e o brigadeiro Orlando Agosti. Sucedeu aos três, por assim dizer leões da neoarena romana o moderado, em relação àqueles, tenente general Leopoldo Galtieri, cujo ‘crime’ maior foi ter pretendido entrar para a História como quem houvesse resgatado a soberania da República Argentina sobre as ilhas originalmente chamadas Malouines, nome que lhes deram marinheiros franceses de Saint Malo, hoje uma das cidades turísticas mais visitadas da França e que no passado distante de ‘piratería’ britânica, expressão cunhada pela Real Academia de Espanha, foi a ‘pia batismal’ das ilhas Malvinas, que o reino de Elizabeth II teima agora em fazer, de novo, frente à Argentina na questão da soberania sobre o arquipélago austral.
Anglófilos do Brasil, seguindo a mesma linha de fascinação do argentino Martinez de Hoz, ministro da Economia na ‘guerra suja’ do pampa portenho, pela Grã-Bretanha, escreveram em colunas assinadas da imprensa louvores às ações da carcomida e bolorenta ‘rainha dos mares’ no Atlântico Sul. ‘Guisado’ de nações e etnias coloniais, a Grã-Bretanha não esqueceu de levar nesta sua vilegiatura bélica, como costumeiramente fazia em seu tempo de franca pirataria, uma guarnição de ‘gurkas’, africanos treinados especificamente para a degola de prisioneiros de guerra ou ‘inimigos’ nos confrontos corpo a corpo.
Assinando uma coluna semanal em Zero Hora, RS, o jurista, político, diplomata, membro da Academia Brasileira de Letras Afonso Arinos de Melo Franco defendeu durante a Guerra das Malvinas o direito ‘jus naturale’ inequívoco de ficarem aquelas ilhas sob bandeira platense. Ele se baseava, aprioristicamente, em factos e circunstâncias que cercavam as Malvinas desde sua origem – franco-espanhola. Lembrava, sobretudo, que a Grã-Bretanha remoia pretensões de domínio não apenas do petróleo existente nas Malvinas como também sobre a própria Antártida, situada a cavaleiro das ‘Isles Malouines’.
Isto posto, não há por que negar à Argentina retornar as vistas às ilhas que, de direito, lhe pertencem.
Cícero já dizia que os homens nasceram para a Justiça e que é na própria Natureza, não no arbítrio, que se funda o Direito.

Plis plas
· A presidenta Cristina Kirchner espera por uma resolução do Comitê das Nações Unidas de Descolonização sobre a velha questão das ilhas Malvinas, cujas raízes se aprofundam cada vez mais na Corte (histórica) de Paris. São mínimas as probabilidades de a ONU acolher o recurso platino, por ser este organismo internacional dominado pelo’guisado’ britânico cujo poder de veto é infalível.
· Da vez passada, supõe-se que até o martelo da Justiça – representada pela ONU - tenha desaparecido das mãos do magistrado. Por artes de berliques e berloques.
· Em 1764 a França inaugura uma base naval nas ‘Isles Malouines’, julgando estar garantindo seu domínio sobre elas. E não é que já no ano seguinte os piratas de SM a Rainha da Inglaterra vão lá e instalam a sua base?
· Presidenta, não tenha medo dos gurkas! Também eles precisam ser descolonizados...
· Os kelpers, quer dizer algas marinhas, como são chamados os habitantes das Malvinas, só deixaram de ser ‘cidadãos de segunda classe’ depois de terem os ingleses saído vitoriosos do conflito em nosso Atlântico.
· Somente desse modo puderam os kelpers subir um grau na hierarquia britânica. Foram a súditos da Rainha Elizabeth II.
· De Lord Byron: ‘O melhor profeta do mundo é o passado’.

sábado, 9 de outubro de 2010

Polícia, escola de ‘cobras criadas’

Já ouviram falar em Amado Ribeiro? Um dos maiores repórteres de polícia que conheci. Profissional dos mais competentes e arrojados, cria do vespertino A Noite - uma das empresas incorporadas ao patrimônio da União, ao lado do Jornal do Commercio. Do tempo em que novos jornalistas eram avaliados na reportagem de polícia, passando pelo crivo de veteranos, de ‘cobras criadas’ – na gíria da imprensa, aqueles mais experientes, calejados - e cujo desempenho e argúcia o secretário de redação ou o chefe de reportagem observavam atentamente a fim de opinarem em reunião com um dos diretores do jornal no final da semana.
A seleção, contudo, nem sempre se dava desta forma. Às vezes, o diretor Carvalho Netto, de A Noite, chamava o candidato a repórter cuja presença na redação já era habitual e lhe entregava a pauta invariavelmente com um assunto de polícia. Quem a rigor passava a Carvalho Netto os assuntos que deveriam constar na pauta era o ‘cobra’ Lincoln Massena, que à sua mesa, sem nada a fazer que não fosse cortar a gilete, do Jornal do Commercio, notícias e anúncios curiosos como sugestões de pauta, debruçava-se em aparas de papel trazidas das oficinas e sobre as quais se punha a desenhar figuras humanas e de bichos até o despertarem, quando desce os óculos à mesa e olha para cima.
Começava o ritual do iniciante. Um repórter fotográfico, dos mais antigos no jornal, acompanhava o foca até o carro da reportagem e de lá partiam para a apuração da notícia.
A caminho, ante um ajuntamento de curiosos misturados a embarcados em algum veículo acidentado, o motorista do jornal se antecede ao fotógrafo, faz uma parada para ir logo orientando o novo repórter nas anotações de praxe: as placas dos carros envolvidos no acidente e outras informações eventuais. Quando chega a viatura da polícia e, em pouco, se dissolve a aglomeração, os policiais ordenando que se afastassem... Ouve-se a sirene da ambulância, reagrupam-se curiosos, saem dois enfermeiros com uma maca, sobre a qual estendem o ferido... Nada grave, nada grave! Um policial aos berros, vão se afastando, vão se afastando... No geral, conhecia cada repórter de polícia. Assim, suas ordens eram dirigidas apenas aos curiosos. O policial, contanto que não o comprometessem, estava sempre à espera de fotos dele em ação publicadas.
Eu, que entrara para A Noite dias antes de Amado Ribeiro, por conta de uma reportagem que havia publicado em A Noite Ilustrada, semanário então dirigido por André Carrazone, e que nada tinha que ver com coisas da polícia, amassava o pão de cada dia na reportagem geral – denominação que na linguagem jornalística se dava, ou ainda se dá, às matérias sobre assuntos diversos. Neste caso, o repórter correspondia, de passagem, ao clínico geral, incluindo-se a apuração junto aos distritos policiais. Assim como a Medicina tem as suas especialidades, na Imprensa há quem se especialize em repórter esportivo, repórter político etc. Detalhe bastante curioso se refere ao repórter de polícia quando se faz criador, dentro de sua especialidade, de verdadeira escola de jornalismo. Algo parecido a escola recorrente de jornalismo.
Ao contrário de Amado Ribeiro, foram-me oferecidas poucas chances de mostrar alguma aptidão para cobertura de um facto policial ou de um desses mistérios envolventes, mais adequados a um ‘Sherlock Holmes’ ou ‘Hercule Poirot’.
Amado demonstrava ter essa aptidão. Do jornal de Samuel Wainer, Ultima Hora, onde Pinheiro Júnior já havia marcado sua carreira de repórter com uma série de audaciosas reportagens sobre ‘Juventude Transviada’, para isso infiltrando-se num grupo de lambretistas de ‘pegas’ nas pistas da Zona Sul do Rio, Amado Ribeiro salta para a fama da dramaturgia – não como autor, nem como ator, e sim na condição de personagem de uma telenovela escrita por Nelson Rodrigues, que por muitos anos manteve em UH o folhetim, de grande sucesso, A Vida Como Ela É. A novela tendo Amado Ribeiro como um dos personagens principais, levada ao cinema repetiu o êxito obtido no teatro.
De minha parte, foi através de uma entrevista com o poeta Jacy Pacheco (já falecido e que era primo de Noel Rosa, também o seu maior biógrafo) que entrei para A Noite. Jacy Pacheco, recebendo-me em sua casa, derrama sobre a mesa farto material iconográfico do ‘poeta da Vila’, fornece-me algumas fotos dele para a entrevista, que acaba saindo em A Noite Ilustrada após haver cumprido sua ‘via crucis’ por várias publicações, no Rio, todas deixando-a na gaveta por sete a quinze dias ‘para exame’, diziam. Uma delas, a Revista do Rádio, através do seu chefe de reportagem, decorrido o prazo que me fora dado para ‘exame’, justificou sua recusa dizendo que Noel já estava mumificado, podendo interessar agora àquela revista – exemplificou – seriam uns suspiros, que fossem, da Emilinha, Emilinha Borba, a quem eu viria a conhecer pessoalmente mais tarde, num dos estúdios da Rádio Nacional já como repórter de A Noite, passando a admirá-la por sua simpatia, pelo seu carisma.
Lavei a alma ao dar com a matéria de Noel pendurada ao meio de A Noite Ilustrada nas bancas da Avenida Rio Branco a partir da Praça Mauá. E fui, sentindo-me vitorioso, à caixa do jornal-revista semanal receber o que me era devido. Não demorou, admitiam-me no diário A Noite, de saudosa memória; relevem-me o lugar comum. Petronilha Pimentel, Arina de Carvalho... Vocês ainda estão neste planeta? Lembra-se, Arina, de quando você me levou ao ‘Clube da Avenca’, na Avenida Mem de Sá, para conhecer a Liu? E faz tempo que Ledo Ivo é Imortal, sabiam? Não creio, mas falam que ele teria adquirido na Academia Brasileira de Letras, com seus direitos autorais, passaporte para um planeta menos poluído... Quanto a você, Petronilha, bem que merecia o resgate de Rainha da Petrobras. Não é justo que a Petrobras fique sem a sua rainha.
Outro ‘cobra criada’, Manuel Abrantes, que com o fechamento de A Noite, a que se seguiu o do Dário da Noite, vim encontrá-lo n’O Dia na chefia da Reportagem daquele matutino de Chagas Freitas.
Abrantes reocupava, em outro jornal mas sentindo-se em casa, um posto conquistado em A Noite a duras penas – expressão aqui usada no sentido de que o cavara com muita garra, durante anos, tendo-se iniciado como contínuo. Os mais antigos diziam que ele fez, praticamente, o curso primário na Redação, aprendendo a ler e escrever, inclusive à máquina, com os plantonistas de Polícia após o ‘fechamento’de cada edição. Quando já sabia, pelo menos, ‘catar milho’ na máquina de escrever, o plantonista lhe passava a tarefa da ronda pelos distritos policiais, e Abrantes dela se desincumbia aos garranchos que entanto davam para ele entender o suficiente a fim de bater à máquina, com firmeza, a apuração, deixando-a depois, com um peso, sobre a mesa.
Mais um tempo, Abrantes ganha altura, física e mental, e ei-lo a dactilografar ligeiro as suas matérias, além de responder a memorandos de departamentos do jornal e de dar ordens a repórteres com um sorriso maroto de quem estava de bem com a vida.
Manuel Abrantes vai para O Dia e lá permanece por longo período. Recordo-me de que um dos contínuos teve atenção especial de Abrantes, que queria ajudá-lo a galgar melhor situação dentro ou fora da empresa. Mas ele parecia cabeça dura. Abrantes irritava-se: ‘Quer ser contínuo para o resto da vida?’ Faltou completar: ‘Como eu fui e aqui estou?’
Eu editava a página de Política da Ultima Hora, então funcionando atrás da Rodoviária Novo Rio, já em seu ocaso, quando nos chega a notícia do falecimento de Manuel Abrantes. Pensei, incontinenti: ‘Ele morreu amargurado’. Eu soube que, ultimamente, logo após sua demissão de ‘o novo’ O Dia pela ‘tropa de choque’, de oposição, vinda do Jornal do Brasil, destacada para varrer os quadros do ex-jornal de Chagas, Abrantes ficava horas, o dia inteiro na rua, debaixo da marquise d’O Dia, à espera de algum sobrevivente do vendaval que zunira por aqueles lados - a fim de conversarem.
E que teria sido feito do Pequeno Jornaleiro, que esculpido em bronze para a Praça Mauá, por ocasião da construção do Edifício A Noite, na década de 30, de lá desapareceu misteriosamente? Sobre a simpática estatueta escreveu Graciliano Ramos, autor de Vidas Secas, sua obra principal: ‘Não é somente o jornalista que explora vantajosamente os crimes – ele o garoto endiabrado também sabe tirar partido das mais insignificantes perturbações da ordem, revestindo todos os fatos de acessórios que lhes dão proporções extraordinárias. Parece que tem o dom de pôr um grande vidro de aumento em cima dos acontecimentos. Enfim, sob certos pontos de vista, o pequeno vendedor de jornais é uma espécie de jornalista em miniatura’...
Esvoaçam-se os anos, some o bronze do Pequeno Jornaleiro e, no primeiro dia de governo de Fernando Henrique Cardoso, extingue-se a Fundação Darcy Vargas, que mantinha a modelar LBA, a cobrir todo o país, escalpelada no governo anterior, de Fernando Collor de Mello.
a

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Caiu o novo chefe narco

‘Mono’ Jojoy

Em 1964, quando se ouviu falar pela primeira vez nas FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) descerrava-se entre nós o ciclo ditatorial com o marechal Humberto de Alencar Castello Branco sendo o primeiro a exercer a presidência da República nesse período. Entrementes, não havia a menor ligação séria de esquerdas brasileiras com aquele exército paralelo ao colombiano regular. A guerrilha no Brasil se feria praticamente à distância das FARC ou de qualquer outro movimento de insurgência paramilitar ao regime aqui instaurado.
Até os brasileiros que partiram para o exílio o fizeram mais em busca de trabalho, alguns, também, de estudo, de acordo com o pé de meia de cada um, do que de ‘ordens unidas’ preparatórias para insurgência ou contrainsurgência a governos totalitários como os que se instalaram durante décadas no país.
Lembro-me, já na ‘era digital’, pouco antes de ingressarmos no ano 2000, deixando-me levar pelas ondas corredias da Internet entro acidentalmente numa página que parecia ter sido inserida no periódico argentino La Nación, por artes de berliques e berloques, e qual não foi minha surpresa ao verificar na telinha que estava diante de uma concentração de guerrilheiros das FARC, alguns dos quais, naturalmente em ‘parejas’, dançavam bem animados. Em 2008, as FARC perdem seu segundo chefe, Raúl Reyes, em confronto com as forças legalistas, no governo de Álvaro Uribe Vélez. Ingrid Bettancourt, ex-candidata à presidência da Colômbia, caíra nas mãos da guerrilha, que a leva para a selva como refém, sendo libertada seis anos e meio depois e graças à intervenção dos presidentes da Venezuela, Hugo Cháves, e da França, Nicolas Sardozy.
Deito a cabeça no travesseiro e me ponho a refletir sobre o quebra - cabeças em que se transformava, às vezes, a política não apenas entre países de uma mesma região como também de regiões distintas: França e Venezuela, o caso: aproximavam-se por razões de segurança interna mescladas com algum interesse econômico, direcionado ao petróleo venezuelano.
Agora, em 2010, sem mais espaço para atuar e sem nenhum apoio de políticos da região, as mãos tisnadas no narcotráfico, as FARC sofrem a maior derrota desde sua criação. Juan Manuel Santos, que sucede a Uribe na presidência da Colômbia, ergue o punho da vitória, exclamando: “Cai mais um símbolo narco!”. Não é outro senão Jorge Briceño, o Mono Jojoy. Desta vez, o Exército colombiano utilizou 30 aviões e 27 helicópteros, tendo vasculhado toda a área até então dominada pelo narcotráfico, que insiste na afirmativa de que se abastece do crack, derivado da cocaína com vistas aos consumidores com poucos recursos, na ponte México-Norteamérica.
Mono Jojoy, assim chamado por ser louro, usava vários nomes, como Victor Julio Suárez Rojas e Jorge Briceño, que se acredita seja o verdadeiro. O corpo foi identificado através de um relógio e umas pastilhas para o diabetes, de que ele sofria. Dizem uns ter ele nascido em Boyacá e outros em Cundinamauca, América Central. Tudo faz crer ter sido ele criado, com o irmão Germán, na selva colombiana, que conhecia na palma da mão. Fala-se que Germán se acha hoje escondido na selva da Venezuela. Jorge Briceño, ou Mono Jojoy, encerrou sua carreira de narcotraficante aos 57 anos.
O novo presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, põe fim a uma guerra de 40 anos contra o tráfico de drogas.




quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Estados Unidos executam débil mental


Nesta quinta-feira, 23 de setembro de 2010, ‘dia de Júpiter’ na mitologia greco-romana, às 9 da noite (horário de Washington), se a Suprema Corte dos Estados Unidos mantiver sua recusa de clemência para Teresa Lewis, 41 anos, acusada de cumplicidade em duplo homicídio, será executada com injeção letal na prisão ‘correcional’ de Greensville.
Lewis confessou-se culpada pela morte de dois homens, um deles que teria sido seu amante e o filho dele, facto ocorrido em 2002 e que se reveste de maior dramaticidade com o agravante de a condenada se achar no limite da debilidade mental, desconhecendo mesmo, em seu fraco, ou nulo, juízo, por que está encerrada em Greensville.
De nove magistrados, apenas dois acataram a petição da defesa, de paralisação da sentença por atraso mental da condenada; por sinal, duas das três juízas que faziam parte da banca: Ruth Ginsburg e Sonia Sotomayor. Acrescente-se que se for realmente cumprida a sentença, polêmica no caso em pauta – pelo processo mental degenerativo que sofre a ré, será a décima segunda execução de mulheres no país desde que se reinstaurou ali a pena máxima.
Sessenta e uma mulheres estão à espera de sua hora no ‘corredor da morte’ no Estado da Virgínia. Ou de quem as ouça com ouvidos limpos e a alma pura.
De passagem pelos Estados Unidos, o presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, teceu duras críticas ao governo estadunidense dizendo que sua mídia silencia quando se trata da aplicação pelos seus juízes de penas de morte em até deficientes mentais. Frisou que a Justiça americana carrega por anos, ao parecer, sem fim, por sua história enlameada de conquistas empreendidas sem nenhuma base legal continentes em fora. Quanto a Sakineh Mohammad, frisou ser um caso encerrado, suspensa a pena que lhe fora imposta. E que falecem coragem e dignidade aos norte-americanos para tomarem decisões que venham ao encontro de uma justa concepção de vida moral, espiritual e material.

sábado, 18 de setembro de 2010

Ciganos vão à Corte de Estrasburgo


Nos sentimos David contra Golias


Um buraco negro parece ter-se aberto, com o entrechoque de argumentos a favor e contra a permanência de ciganos em território francês, ao som, diria, interminável e doce de um violino a vir de muito longe, quem sabe – das estrelas da România ou da Bulgária ou da Bósnia. A impressão que se tem é de que o Eliseu, se lhe fosse dado o poder de manifestar-se por si mesmo, cerraria portas e janelas pelo tempo que fosse necessário enquanto durassem as discussões tolas sobre uma crise étnica estranhamente singular, inconcebível; inacreditável, por assim dizer.
O imbróglio envolve França, Espanha, Luxemburgo, Itália, agora também a Grã-Bretanha e outras praças da Europa, só não alcançando, em outro meridiano, os Estados Unidos da América por se acharem estes fora de órbita por razões cambiais, que os obrigam a apertar o cinto; e, ainda, o Brasil, impropriamente considerado emergente pela ONU, por ser, talvez, um dos raríssimos países a ostentarem uma economia em franco crescimento, de causar inveja e espanto aos norte-americanos, por exemplo, que sofrem quedas preocupantes nos ativos financeiros, aumentando lá, a cada dia, o contingente de cidadãos na linha da pobreza.
O clima esquentou para todos os lados, sem que a Comissão Européia mova uma palha a fim de serenar os ânimos entre os contendores e encontrar uma solução pelo menos conciliatória para o fosso que se abriu à primeira vista irremediavelmente entre as nações querelantes.
O presidente da França, Nicholas Sardozy, se mostra inflexível em seus delírios persecutórios quando investe de forma claramente desalmada contra a comunidade cigana, extensivamente rumana. Contudo, sempre que isto ocorre, aparece alguém para rebater-lhe as idiossincrasias. O poeta português, ou universal, Fernando Pessoa já dizia: ...”Entre o sono e o sonho / entre mim e o que em mim / é que eu me suponho; corre um rio sem fim”.
Assim, Nikolas Sardozy, como a puxar do fraque uma eurodeputada de sua estima partidária, dá-lhe a palavra para dela ouvir e passar à frente que os ciganos rumanos “provocam os mesmos problemas na França e na Espanha”. Idiossincrasia pura e delituosa...
Nada, entretanto, que surpreenda. Sarkozy é de uma direita a mais extremada. Em Paris mesmo já há quem o compare aos nazi-fascistas da II Guerra Mundial. Ainda em termos comparativos, fala-se que as atuais deportações de ciganos da França têm sido feitas à imagem e semelhança daquelas de judeus da Alemanha no conflito com o III Reich. E das investidas nazis na batalha de Stalingrado (1942-43), ali encontrando a heróica resistência dos soviéticos, cujas baixas nas fileiras da Grande Guerra Patriótica, que correu paralela à das forças aliadas, comandadas de automóvel conversível por Eisenhower, e que resultou na vitória inegável, contundente, de Moscou sobre Berlim, superaram de duas a três vezes mais as vítimas do Holocausto. Os combates nas trincheiras soviético-alemães, enquanto o povo americano se divertia em seu próprio território inteiramente a salvo de bombardeios e outros ‘pesadelos’, a não ser os mostrados nas telas cinematográficas, ceifaram pelo longo e doloroso caminho trilhado até Berlim, em números oficiais, durante 1418 dias e noites, numa frente de 3000 a 6200 quilômetros, uma média de nove a dez vidas soviéticas por minuto, ou seja, cerca de 600 por hora – um total superior a 20 milhões, isto é, 2/5 de todos os mortos em
combate na II Guerra Mundial. Além disso, a URSS teve um prejuízo material estimado de 485 trilhões de dólares, ao preço dos anos 40. Em razão do praticamente imensurável número de baixas nas frentes russas, milhares de soldados e oficiais tiveram de ser substituídos por mulheres nos tratores e outras máquinas em Moscou e cidades do interior onde mais requeria sua presença. Foi quando criaram no Ocidente a imagem torpe da russa masculinizada. A mulher dirigindo um trator, no imaginário de tio Sam, já pelos começos da ‘guerra fria’ dava lugar a uma outra invencionice e muito pior: os americanos fotografaram em Moscou umas crianças brincando com a neve, abriram uma legenda informando que elas disputavam alimentos caídos ao chão, tiraram um sem-número de cópias da foto, distribuindo-as entre as agências de notícias ocidentais, do então chamado “mundo livre”. Era o tempo do macartismo nos Estados Unidos, do ‘pega para capar”, da cadeira elétrica para o casal Rosenberg, em nome da democracia...
Também em nome da democracia, agora na França, a França da resistência à invasão nazi na década de 40, acampamentos de rumanos são varridos por Sardozy e seus cupinchas, pelo ‘crime’ de serem ciganos?
Na Espanha existem em torno de 30 mil a 50 mil ciganos, a grande maioria rumanos,



seguindo-se os búlgaros e, de resto, os bósnios. Vivem em assentamentos, salvo alguns grupos ingleses e franceses.
O presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, frisando não ser do seu feitio meter-se em querelas de etnia, mas que se tratava de assunto de sua alçada, declarou que é demais comparar as atuais deportações às da II Grande Guerra. O primeiro ministro italiano, Sílvio Berloscono, fala em “panos quentes” enquanto aqueles que falam pelo povo cigano detectam claras “conotações nazis” em todo este processo de deportações. Dizem que o povo cigano europeu assiste indignado a esta política e perplexo ante as “trifucas verbais” ouvidas nos salões oficiais. Estão, agora, decididos a atuar de forma enérgica, indo ao foro competente, que é o Tribunal de Estrasburgo, ante as iniciativas do presidente francês, Nikolas Sardozy. A União Rumana espanhola já preparou toda a documentação necessária à demanda junto àquela Corte, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, contra a intolerância do Eliseu. O presidente da União România foi enfático ao tratar do assunto: “Nos sentimos David contra Golias. Não queremos ficar de braços cruzados enquanto membros de nossa comunidade são expulsos cruel e maciçamente”.


quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O mundo tauromáquico


A revolta do touro


No mesmo dia em que o parlamento francês anunciava seu veto ao burka – o transpirável e tênue véu que encobre, ou encobria pelas ruas de Paris, o rosto de imigrantes muçulmanas – como a preservar a tradição de capital da elegância, ou do bem vestir, no mundo, cai à ponta de lanças arremessadas por um jovem de 26 anos, Marcos Rodriguez, em Tordesilhas, Espanha. “El Toro de la Vega”, famoso por ter feito carreira ‘gloriosa’ ao ser desafiado durante bom tempo por alguns dos maiores toureadores do país.
Foi pela manhã da última quinta feira (l3 de setembro de 2010), quando ao último suspiro de “El Toro de la Vega” – as banderilhas o ferindo profundamente – desabavam aplausos junto ao cercado da arena, a tocarem o coração dos ambientalistas, que não deixavam de protestar contra “semelhante barbárie” num país conhecido fora da Europa como dos mais religiosos e civilizados de nosso planeta.
Entre os ambientalistas, não faltaram as lágrimas dos mais indignados com a “cena brutal, macabra” a que haviam assistido. Pelos arredores da praça de touros em Tordesilhas se viam cartazes de protesto contra a imolação de “El Toro de la Vega”. Um deles dizia: “Transcende ao mundo imaginado por Orson Welles e seu inspirador, H.G. Wells”. Wells, autor de A Máquina do Tempo e de Guerra dos Mundos, livro no qual o novelista de rádio Orson Welles se baseou para levar ao ar nos Estados Unidos, como se fora um longo, instigante e tenso noticiário a cobrir praticamente todos os horários de programas do dia, somente interrompidos alternadamente em questão de minutos com momentos de baile ironicamente relaxantes, rodados nos discos pelos operadores dos estúdios da rádio. Isso, no corpo de um programa de noticiário de ficção apresentado por Orson Welles, a transpirar seriedade, com sua voz grave, às vezes trêmula, para fins de convencimento dos ouvintes, a cada hora em que dizia aproximar-se estranha criatura que, para ele, só podia ser extraterrrestre, “claro que sim! –exclama, justificando: “a nave espacial já reduz... mais, mais! a distância de nós”.
E o radionovelista não deixava por menos: passara a se comunicar diretamente com a Casa Branca. Falava ao telefone com o Presidente, o qual lhe passava instruções e uma mensagem para que fosse levada ao ar, dirigida aos concidadãos, a recomendar-lhes calma “porque podem ser de índole pacífica, sem outro intuito que não seja colaborar conosco”.
Alguém liga para a emissora indagando sobre o partido da simpatia desses visitantes, o Republicano ou o Democrata?A pergunta, felizmente, não chegou ao éter, logo cortada pelos operadores, que desconfiaram a tempo de evitar que o ouvinte ‘engraçadinho’ empurrasse as vacas para o brejo...
E o programa foi em frente com um pelotão de extraterrestres armados de espécie de lança-chamas, sem que os tirasse das cintas, o que deixou um pouco tranqüilos aqueles que a tudo acompanhavam pelo rádio e que cheirava a pólvora interplanetária, pela sensibilidade não só das massas, também dos políticos e empresários norte-americanos, que procuravam olhar pelas frestas dos edifícios de onde vinha toda aquela movimentação transmitida pelo rádio. Estabelecera-se verdadeiro pandemônio, principalmente em Nova Yorque, além de Washington, o Presidente pedindo que ninguém saísse de suas casas ou do trabalho, exceto as guarnições do Exército e da Marinha, dos quartéis e que, pelo noticiário radiofônico, se dividiram estrategicamente por vários rincões do país, instruídas a entrarem em ação somente no caso de virem a ser atacadas. “e isso esperamos que não venha acontecer; temos um pastor ao nosso lado orando por todos nós”. E os operadores emendam à mensagem presidencial números de jazz afrolatino com Xavier Cugat e sua orquestra. Repentinamente, cessa todo o deslocamento de tropas, de carros de combate e de passeio, estes, poucos; silenciam as sirenes, reabrem-se as janelas, Cugat retoma o programa normal de baile e multidões se abraçam nas ruas, aliviadas. “Ainda não viram nada...”, dizia e repetia um pau d’água à porta da emissora. Não pensem que era o radionovelista. Orson Welles saíra pela porta dos fundos. O Presidente, ainda que ele próprio tenha caído no conto da guerra interestelar, aproveitou a ocasião para criar uma versão do que havia acontecido, qual seja que fora realizada e com sucesso uma simulação de ataque extraterrestre.
Na praça de touros de Tordesilhas não houve simulação quanto ao trágico destino que tinham reservado para “El Toro de la Vega”, algo como “celebração da vida e da morte”, a um tempo, contrapondo-se aos aficionados de rituais da tauromaquia aqueles que se batem em defesa dos direitos animais tanto quanto dos direitos humanos.
Num mundo tauromáquico como esse, o ex-presidente espanhol Felipe Gonzalez já expressa seu pessimismo diante do futuro da Europa.



segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Barack Obama alinha sua defesa

O Presidente e a Primeira Dama

O 11 de Setembro nos Estados Unidos transcorreu num clima bastante agitado, de confrontos seguidos que pareciam não ter fim, entre adeptos dos mais variados credos religiosos. O que seria uma homenagem tranqüila em memória dos 2.752 mortos do World Trade Center, em números oficiais, transformou-se, à medida que chegavam caravanas de todos os pontos do país em verdadeiro entrecruzamento de fiéis levando cartazes, contra e a favor da construção de uma mesquita no marco zero das Torres Gêmeas, além de bíblias, crucifixos, velas e exemplares do Alcorão. Vendedores ambulantes com suas barracas desmontáveis não faltavam: a Bíblia ao lado do Alcorão, em coexistência pacífica, indiferentes a alguns sopapos trocados em meio às discussões fora das vistas da polícia, mais preocupada em garantir a livre manifestação dos fiéis nos limites da permissibilidade constitucional.
O presidente Barack Obama compareceu com sua mulher, Michelle Obama, a uma cerimônia realizada no Pentágono em honra das vítimas da queda das Torres Gêmeas. Michelle estava, também, acompanhada da ex-primeira Dama, Laura Bush. O presidente aparentava certa frustração por não ter ainda conseguido a concórdia plena em seu governo, mas esperava chegar a um consenso em curto espaço de tempo, embora as eleições parlamentares estejam bem póximas. Analistas políticos dos próprios Estados Unidos prevêem dias difíceis para o presidente, embora o disfarce dê às vezes a impressão de achar-se deslocado no meio político em que vive. No ato solene do Pentágono, expressou-se com relação ao 11 de Setembro como sendo “um dia de reflexão e de recordação”, e acrescentou: “E espero que seja também um dia de unidade”.
Obama anda preocupado com o divisionismo que ele sente de perto ranger na estrutura da administração pública estadunidense. Hillary Clinton seria de todo confiável na condução da política de Estado? Não teria metido os pés pelas mãos nas questões internacionais em que o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, foi chamado a colaborar na arbitragem? Teria havido um entrechoque de interpretações de um dito não se sabe se irônico ou de inocente bom-humor, qual seja “o Cara”, como Obama se referiu a Lula ao recebê-lo na Casa Branca logo após haver assumido o Governo?
Barack Obama talvez não tivesse a medida exata dos problemas menos específicos da nacionalidade do que os propriamente políticos que iria enfrentar, quando preparava-se para assumir um poder não poucas vezes manchado por disputas interpartidárias, por escândalos do tipo Watergate, que afastou Richard Nixon (o poeta chileno Pablo Neruda classificou em versos essa era de nixonicídio), inclusive com o sangue de Jonh Kennedy, derramado em Dallas.
Já se fala nos corredores de Washington em divisão de poder na crista do enxame de membros dos partidos Democrata e Republicano, a rigor uma só legenda partidária mas que no frigir de ovos respinga sérias divergências no Salão Oval da Casa Branca e no Congresso. Em todo caso, é a democracia tal como a ensinam seus arautos a países qualificados como emergentes. De resto, o que se conclui é que as próximas eleições parlamentares norte-americanas estariam reservando a Barack Obama para seu segundo mandato – se houver – algumas surpresas desagradáveis, notadamente a recuperação de votos pelo Partido Republicano, o partido de George W. Bush e família, sua família política de triste memória.
Qual um guerreiro que pegasse sua lança e escudo, paramentando-se adequadamente para a guerra que já dá sinais de aproximar-se dele, o primeiro presidente negro americano interrompeu já em fins de agosto (2010) as férias de um republicano de peso, Ben Bernanke, numa ilha do Estado de Massachusets trazendo-o para a chefia do Federal Reserve. Assim, vai alinhando sua defesa contra possíveis intempéries nessas eleições, que podem obrigá-lo a uma mudança de rumo, se for de facto reeleito, conforme espera, acredita-se, a maioria dos americanos. Contudo, o sistema eleitoral de lá não é tão democrático como o brasileiro, por exemplo.


sábado, 11 de setembro de 2010

Mídia americana se dá mal com Fidel

Nove anos de 11-S








A interpretação enviesada de declarações feitas dia 9, de 20010, pelo comandante Fidel Castro do alto de seus 84 anos em boa forma (física e mental) agitou por um dia a comunidade anticastrista arranchada principalmente em Miami, levando-a a acreditar haver chegado a hora de preparar-se de facto para descer de paraquedas, em segurança, sobre Cuba. Certamente pensavam que botes, agora, são coisa do imaginário de ‘los cochinos’...
A entrevista de Fidel alcançou em minutos, entregue à mídia em inglês, o que facilitou sua difusão mundo em fora, enorme repercussão – somente contida com a interveniência do ex-presidente cubano.
E ele, apressando-se na retificação do que lhe haviam atribuído talvez por desconhecimento de algumas construções em língua hispânica, imaginou-se, dir-se-ia diante de um quadro negro, a pegar num giz e escrever: Onde se lê... O modelo cubano já não serve mais a Cuba, como poderíamos exportá-lo? Leia-se que o modelo capitalista é que não nos serve. E seria o caso, então, de responder inclusive que a ilha caribenha, enfim, por não ser de modelo capitalista, de bom grado poderia recomendar, a quem interessar pudesse, importá-lo dos Estados Unidos, apesar de tal produto, ao parecer, achar-se em final de estoque.
A julgar pelo que também se vê largamente publicado nos Estados Unidos, para consumo interno e exportação, Osama bin Laden tornou-se após, naturalmente, a destruição do World Trade Center o mais recente mito da crendice estadunidense. Isto, em meio a suas andanças de alma penada por montanhas islâmicas, aonde dizia-se que se refugiara, além de um tour que fizera pelo Oriente Médio e o Mundo Árabe, justamente numa hora em que só faltou ao governo de George W. Bush disseminar palmo a palmo pelas paredes de Norteamérica cartazes com a foto de Osama, a procurá-lo vivo ou morto mediante gorda recompensa. Ao contrário disso, entretanto, do que se teve conhecimento foi que Osama bin Ladem encontrara-se às furtivas com ministros de Bush, reconhecidamente de ultradireita, na Arábia Saudita e em Dubai, por exemplo, ajustando problemas de saúde e de logística. Runsfeld e Cheney, que passaram pelo ministério da Defesa do governo de George W. Bush, estiveram envolvidos na trama para a derrubada do World Trade Center. Tratava-se, para eles, de uma ação semelhante à de Pearl Arbor, que precedera as bombas de Hiroshima e Nagazaki. Uma ação costurada dentro do “projeto para um novo século”, sobre o qual já falamos numa série de artigos publicados neste blog, A História no Jornal”, titulada El 11-S y Sus Raíces.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

A Guerra das Malvinas

Um reino visto dos aposentos






“No habrá paz definitiva si se vueve al status colonial” – Leopoldo Galtieri.




Esperava-se que em setembro de 1982, a quatro meses do sesquicentenário da ocupação das Malvinas e seus departamentos – as Geórgias e as Sanduich do Sul – por piratas antevitorianos e que não faria muito sentido celebrar, tendo estas ilhas voltado para domínio platense por um período embora curto: de 2 de abril até 13 de junho, véspera de nova troca de bandeira, a República Argentina conseguisse a inclusão proposta pelo México de ‘vieja querella’ com o Reino Unido em mais uma rodada de trabalhos da Assembléia Geral da ONU. Ainda que sabendo-se que dali por diante a Argentina, recém-saída de uma derrota militar, pelo menos por algum tempo teria praticamente reduzidas a zero as possibilidades de um desfecho em tal instância que correspondesse de facto aos interesses de seu povo e, extensivamente, das demais nações latino-americanas.

A circunstância de ter aquela ação no Atlântico Sul partido de um sistema castrense então mal das pernas, sabidamente lesivo a direitos humanos – tortura, extermínio, desaparecimentos políticos – facilitou a muitos articulistas e/ou editorialistas uma inclinação ostensiva, alienada, alienante, na imprensa brasileira, para o lado europeu, o colonialista, tido como o civilizado, para uma “velha aliança” em assuntos de guerra e de petróleo – anglo-norte-americana.

Ainda no governo platense do general Jorge Rafael Videla, seguindo instruções ou diretrizes traçadas pelo grande latifundiário e anglófilo Martinez de Hoz, foram feitas discretas concessões a uma transnacional para exploração de lençóis de petróleo na plataforma marítima da Argentina. E pouco antes de rebentar o conflito com a Grã-Bretanha um advogado especialista em assuntos energéticos, Adolfo Silenzi de Stagni, lançava o seu livro Las Malvinas y el Petróleo, ed. El Cid, nele denunciando a iminência da entrega das riquezas sedimentares platenses aos ingleses e seus aliados naturais, a começar pela privatização da Yacimientos Petrolíferos Fiscales (equivalente à Petrobras) em troca do direito de a ‘celeste y blanca’ tremular sobre as Falklands. Isto, para kelper ver. Não demorou, o tenente-general Leopoldo Galtieri entornava o caldo... Pela primeira vez na história da repressão argentina a Coroa britânica, fora dos aposentos da Rainha, quer dizer, publicamente, passa a considerá-lo um déspota.

Acontece a I Guerra das Malvinas: os ingleses no ataque, o submarino atômico Conqueror, sob o comando de Christopher Brown, acertando em cheio e à margem da zona de guerra o cruzador Belgrano; os argentinos no contra-ataque, na defensiva. E decorridos cinco dias da rendição das tropas do general Menéndez a uma das forças-tarefas da OTAN, a da Royal Navy, na capital das ilhas (por imposição das armas, de novo Falklands), ou seja, às 14 horas de 19 de junho, helicópteros britânicos atacavam e tomavam a estação científica Corveta Uruguai, assim denominada em honra dos tripulantes da embarcação utilizada para o resgate do sueco Otto Nordenskijold, um dos expedicionários de nacionalidades várias, a maioria predadores da fauna marinha, tendo sido este o caso de muitos ingleses e norte-americanos a passarem por lá, a desafiarem o clima e a topografia hostis, a terminarem dando-se por vencidos - no ponto culminante do Arco Antilhano Austral.

É, ou foi, uma base de observações e pesquisas para fins pacíficos, de preferência na área meteorológica, que a República Argentina inaugurava oficialmente a 18 de março de1977 (instalara-a em 1976) numa ilhota por nome Morell, uma das três do grupo Thule, de um total de onze de que se compõe o acidentadíssimo arquipélago das Sanduich do Sul, isso, quase 1 ano após a deposição de Isabelita Perón e do conseqüente advento de um regime triunviral, com substituições de anéis no seu fluxo cronológico, até à retirada também dos dedos (exceto o da CIA), já em razão da queda do presidente Leopoldo Galtieri cujas causas não estão bem esclarecidas: sabe-se que o general rebelde, ou aventureiro, perdeu a guerra, ou algumas batalhas, no Atlântico Sul, porém o facto que mais pesou na balança foi o de ter ele perdido para sempre a confiança de Washington. Pragmaticamente, fizera-se nacionalista. Para a CIA, para o Pentágono, a mesma coisa que ser comunista.

Do confortável ainda que não de todo relaxante nº 10 de Downing Street, a um tempo residência da primeira-ministra e QG do governo do Reino Unido, Margaret Thatcher, a Dama de Ferro, manda notificar os terceiro-mundistas de que os argentinos de Thule do Sul não ofereceram qualquer tipo de resistência. O comunicado britânico sobre mais essa operação somente não mencionou entrega de armas pelo ‘inimigo’ a fim de constar no inventário do ‘espólio de guerra’ das Malvinas, o qual incluiria mísseis Exocet (segundo Londres) e outros engenhos de igual ou menor valor – utilizáveis em futuras incursões e até então camuflados pela resistência platense. Os dez ou onze homens da estação científica Corveta Uruguai estavam desarmados; o que empunhavam eram bandeiras com pombas de Picasso...

Entrementes, logo a técnica da desinformação, que dá o inteligente respaldo à diplomacia do ‘big stick’, foi mais uma vez aplicada em nosso continente, com a divulgação de que aqueles que se achavam a postos em Thule do Sul eram militares, e ponto final. Uma forma de insinuação de que seriam não técnicos em assuntos de meteorologia e/ou hidrográficos – a quase totalidade viera da Marinha, um da Força Aérea, nenhum do Exército, e sim uma parcela recuada do efetivo que estivera subordinado ao general Menéndez, como o grosso da tropa, sem outra missão que não fosse defender palmo a palmo das forças colonialistas aquelas ilhas enquanto em poder dos argentinos.

Igual técnica funcionou de modo a atribuir a fontes militares de Buenos Aires e com o intuito óbvio, não de comprometer o reino de Elizabeth mas de expor ao ridículo uma república sul-americana, versões como a de que os ingleses que tomaram as Sandwich do Sul, desembarcando em Morell, o fizeram atirando nos argentinos em serviço nessa ilha, quando o comunicado emitido dia 20 pelo Estado-Maior conjunto indicava que vinte minutos após terem sobrevoado a estação “helicópteros britânicos iniciaram um ataque com metralhadoras”, sem especificar alvos. Dava, contudo, a entender que o ataque, como não poderia deixar de ser, fora para intimidar. Sem que impusesse o sacrifício de vidas humanas, para evacuar o local – espécie de capital do terceiro arquipélago (re)conquistado para uma Coroa distante 15 mil Km do teatro de operações do Atlântico Sul e reproclamado Departamento das Ilhas Falklands, como as Geórgias, pela sra. Thatcher.

Tecnicamente e a nível já de terrorismo, a guerra prosseguiu, com a retenção de oficiais argentinos na virtual condição de reféns, objetivando em princípio algo mais que uma suspensão de hostilidades. Acrescente-se a capitulação da Argentina na batalha diplomática pela soberania sobre as Ilhas Malvinas (Saint Malo, nome original das ilhas, dado por marinheiros franceses séculos antes de os ingleses velejarem por lá), há muitos anos ferindo-se no marco das Nações Unidas e tão ou mais desleal que a que sepultou jovens dos dois lados em águas e terras atlânticas, é dizer, das antigas Províncias Unidas do rio da Prata. Como não estava sendo fácil alimentar algumas centenas de prisioneiros, tanto mais por serem eles oficiais, a briosa Inglaterra, com milhões de desempregados como o plebeu que foi dar com os costados nos aposentos da Rainha, teve o seu repente de lucicez ao libertar os reféns para que comessem em casa – às custas de uma república mergulhada na pior crise de sua história, porém auto-suficiente em grãos, carne e petróleo, ao contrário do reino de Elizabeth, cuja auto-suficiência resume-se nas libras da burra de seus banqueiros.

Nem ao governo brasileiro os artífices da desinformação pouparam.

Desinformação é...

Entende-se por ato de copidescar (de copy desk) textos à mão – a.i, ao tempo da máquina de escrever, da linotipo e, bem atrás, das caixas de tipógrafo.

Em nota distribuída pelo Itamaraty dois dias após a rendição de facto e formal argentina no arquipélago conflagrado e que, pelos termos claros, precisos e incisivos, dispensava o copy, tanto mais por encerrar, ou esgotar, a própria notícia, acabou sendo esvaziada, deliberada ou irrefletidamente, por boa parte de nossa imprensa: alguns órgãos, tidos como incondicionalmente voltados para os superiores interesses de nosso país surpreenderam pela parcialidade do material que divulgaram acerca do conflito no Atlântico Sul colocando-se durante todo o seu desdobrar à sombra e do lado da Union Jack, aquela mesma desfraldada por duas vezes em nossa pacata Ilha de Trindade, com a proverbial arrogância que cunhara a idade de ouro da pirataria – o arreio do ‘seahorse’ do Partido Conservador britânico.

C r o no l o g i a

1. Em 1767, um ano depois de estabelecer (clandestinamente) Port Egmont no lado ocidental das Malouines, tal como os primeiros exploradores das ilhas em questão, os franceses, as tinham nomeado ao se fixarem na parte oriental, isso em 1764, a Inglaterra, que ameaçava, então, assenhorear-se do arquipélago, é interceptada pela Espanha. Esta, já com os seus direitos reconhecidos pela Corte de Paris sobre o porto fundado por Louis de Boungainville e de quem recebera o nome. Tratava-se de Port Louis, na ilha que os espanhóis denominaram Soledad.

2. Em 1771 a Espanha restitui Port Egmont (suas instalações) aos fundadores desse terminal de comércio e navegação, ante os reclamos de pequena colônia que se formara nos arredores. Passam-se, porém, três anos e, tendo-se convencido de que nem árvore que desse madeira para cachimbo crescia por aqueles fins de mundo, a Inglaterra abandona o lugar, sai de cena. Cai o pano mas não tardou a subir de novo, dessa vez para um longo ato, que se estenderia por 34 anos, com 19 espanhóis sucedendo-se no papel principal, o de governador das Malvinas. Dentro desse período, em 1806, a Inglaterra lança um ataque sobre Buenos Aires, e coube a um francês, Santiago de Liniers, comandar a expulsão da turba invasora. Outros sacos de pipocas estouram na platéia até se organizarem as Províncias Unidas do rio da Prata, que afirmam seus direitos legítimos, provenientes de uma herança espanhola, sobre as Malvinas, com a entrada em cena, em 1820, de uma fragata chamada Heroína. Assim foi que nesse mesmo ano assumia o primeiro governador platense daquelas ilhas: Daniel Jewitt, que já no ano seguinte era substituído por Guilhermo Mason.

3. Em 31 de dezembro de 1831 a corveta norte-americana Lexington aportava do lado oriental das Malvinas, com bandeira francesa para despistar. O comandante, Silas Ducan, com seus homens, logo depois de render o destacamento local passou a destruir, a incendiar tudo que encontrava pela frente, inclusive residências de civis. Queria a cabeça do argentino Luis Vernett, acusado de fazer o mesmo que os ingleses faziam e oficialmente: pirataria, e que sucedera na década anterior a Pablo Araguati no cargo de governador das ilhas, tendo-se destacado como defensor da preservação dos leões marinhos e de outras espécies ameaçadas por navegadores piratas. Ducan acaba arrastando para sua corveta um punhado de colonos e outro de escravos.

4. A 3 de janeiro de 1833, valendo-se do que os norte-americanos haviam feito lá dois anos atrás, os ingleses tomam de assalto o arquipélago, descem a ‘celeste y blanca’ e destituem José Piñedo, sexto governador das antigas Malouines; Falklands é pura invenção de descobridores daquilo que fora descoberto por Américo Vespucio 186 anos antes da descoberta por John Strong. De parceiros já no ocaso do século XX da direita estadunidense, no governo de Ronald Reagan. Acrescente-se que a Guerra das Malvinas foi declarada em 1982 por Margaret Thatcher, a ‘Dama de Ferro’, da tribuna do parlamento britânico, indignada com a ocupação das ilhas de frente para a Antártida por tropas do tenente-general Leopoldo Galtieri. A inglaterra contou com o apoio logístico dos Estados Unidos e do Chile de Pinochet, além da OTAN, que lhe deu todo o suporte de que necessitava para vencer um país da América Latina que surpreendeu com os seus Exocet, adquiridos na França. Ainda hoje, não têm sido poucos os brasileiros e outros cidadãos da própria América Latina que, por ignorância na interpretação de factos históricos, atribuem ao último dos presidentes a fechar o ciclo ditatorial na Argentina a culpa pela guerra no Atlântico Sul. Começam por ignorar, quem sabe deliberadamente, o dedo, não da CIA mas da TFP (Tradição, Família e Propriedade) no petróleo que motivara o conflito austral de 82. Periódicos argentinos, entre eles o La Nación,” publicaram como matéria paga extensos artigos da TFP portenha dirigidos a Galtieri fazendo-lhe ver o “mal supremo” que seria chegar ao comunismo através de uma escalada de valores patrióticos.

5. Em 1965, a Assembléia Geral das Nações Unidas cria o Comitê de Descolonização, alcançando as Falklands/Malvinas; a Grã-Bretanha empina o nariz e, seis anos depois, inicia missões especiais de reconhecimento das riquezas da plataforma marítima do arquipélago, sobre as quais o Foreigh Office procurava, se não guardar certo sigilo, espalhar pelo mundo de comum acordo com a comunidade de informação dos Estados Unidos, que seria leviandade pretender-se extrair petróleo em quantidades, por exemplo, que compensassem investimento de lordes numa cadeia de 12 mil quilômetros quadrados de brejos e rochas.

6. A 2 de abril de 1982 a Argentina resgata as suas Malvinas, não por meio pacífico, visto que por este meio haviam fracassado todas as tentativas de um justo consenso no foro competente, o da ONU, a Inglaterra a brandir sempre o seu poder de veto e de persuasão, além de gestões diplomáticas anteriores a 1965, mas recorrendo às armas, recurso idêntico ao utilizado pelo Reino Unido para tomar, 149 anos atrás, as ilhas dos platenses, aquelas que à luz ainda que bruxuleante do Direito Internacional lhes pertenciam. Acrescente-se que o destacamento inglês dito de elite encontrava-se em Port Stanley, que viria a chamar-se depois Puerto Argentino. Tal destacamento, em relação à superioridade numérica dos portenhos, antes de render-se à evidência cristalina de uma reconquista, abria fogo em nome da Rainha, causando a única baixa do 2 de Abril de que se teve notícia entre os desembarcados, e deixando

alguns feridos.

7. E enquanto os ingleses tentavam por todos os meios e modos quebrar a resistência dos argentinos, usando até bombas de fragmentação – guerra suja em Goose Green: aviões anfíbios estadunidenses decolavam do nosso Amazonas carregados de ouro e outros minérios desviados das minas exploradas pela Companhia Paranapanema. A denúncia partiu da Câmara Municipal de novoAirão e teve grande repercussão, à época, na Amazônia.



quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Fantasia do terror: a nova ideologia

Donald Rumsfeld, ex-Secretário de Defesa, inclusive contra a gripe das aves e a suína

Sete anos após o presidente George W. Bush lançar o seu ultimato a Saddam Hussein para abandonar terras islâmicas, e de ter uma conversa reservada com Deus, de quem ouviu, o presidente contava depois – ‘George, entre com suas tropas em marcha batida no Iraque! (Foi o que informou a BBC de Londres na ocasião) – Estados Unidos e Reino Unido, carne e unha, iniciaram sua ofensiva com mísseis, acompanhados em telinhas de cinema-verdade instaladas no QG atapetado de veludo das operações por controle remoto, e despejados sobre Bagdá. Já no dia 1° de abril (2003) Bush declarava cumprida a missão que lhe reservara, só podia ser, não Deus mas o arrais da Barca do Inferno, auto de 1516 do dramaturgo português Gil Vicente!
Anos 80, uma das estrelas do firmamento estadunidense, numa época de vendaval na Casa Branca e seus serviços de Inteligência, Donald Humsfeld, que viria a ocupar de 2001 a 2006 o cargo de secretário de Defesa, se incumbia de traçar as linhas mestras do que se conhece hoje por “projeto para um novo século”. Como já devem saber, por outro artigo, em espanhol, deste meu blog, A História no Jornal), não se tratava de outra coisa senão de derrubada do World Trade Center: um projeto de logística destinado a provocar comoção planetária, se assim se pode defini-lo de acordo com a régua e o compasso de estrategistas do “massacre de Halloween”, uma fantasia de terror em baile de gala a que não falta, para aliviar tensões, passos a la Michael Jackson. Pelo olhar sereno da História, a chamada ‘guerra fria’ não se acabara sob o foco dos escombros produzidos do World Trade Center. E as festas de Halloween, a julgar pelas transcrições de atas das reuniões a portas fechadas das comissões técnicas do parlamento, em especial a da Igreja: a mais ativa na medida em que espocavam os escândalos, ironicamente expressavam “a raiva de todos os contribuintes norte-americanos” contra o statu quo. A fantasia do terror foi mencionada no Congresso, em memorando a respeito de escândalos como Watergate e Koreagate, da prática de operações encobertas referentes a assassinatos, inclusive o de Omar Torrijos, no Panamá, morto em ‘acidente aéreo’ intencional, de líderes estrangeiros, lá pelo ano de 1975, tudo isso refletindo-se acintosamente na face de um parlamento em que Jack Murtha Jr. era uma dessas raras figuras a se levantarem contra a política de tempos tão conturbados e libidinosos, sem olvidar-se o caso da estagiária a desabotoar as calças de um presidente em seu gabinete. Além do mais, sem que precisassem consultar o Decameron. E Jack Murtha, falecido agora em fevereiro de 2010, era do Partido Democrata, representava 12 parlamentares da Pennsylvania, tendo sido reeleito sucessivamente a cada dois anos, a partir de 1974. Uma figura, pois, de respeito para os americanos e invejável prestígio.
Em 13 de dezembro de 2003 o Exército americano descobre Saddam, escondido num grotão próximo a Tilkrit, capital da província de Sallad Ad-Din, impondo-lhe estranha e humilhante rendição, não de vencido numa guerra, que não houve, posto que o Iraque não tinha mais como oferecer-lhe resistência, uma vez ocupado por adversários naturais do regime husseiniano,
e sim de uma só força bélica, a estadunidense, com o apoio do reino de Elizabeth II com os seus gurkas (africanos experts em decapitação, levados, entre outras guerras, à das Malvinas; mas não confundir gurka com burka, que é o véu usual entre mulheres islâmicas).
Em 30 de dezembro de 2006, os Estados Unidos da América levam o estadista árabe ao patíbulo dentro de seu próprio país, o Iraque. Saddam Hussein entrega-se de cabeça erguida a seus algozes. Anos 80, aos 69 anos cai ele, enforcado, no catafalso, o semblante aparentemente tranqüilo, os olhos desvendados, após haver balbuciado uma oração. Que só Deus ouviria.
Em junho de 2004 o governo interino de Alauí se alça ao poder no Iraque e, decorridos seis meses, realizavam-se eleições, seguindo-se a aprovação ad referendum, em 15 de outubro de 2005, de nova Constituição, que viria substituir a deixada por Saddam. Em dezembro do mesmo ano são convocadas novas eleições legislativas e em maio de 2006 Chii nuri al Malik compõe seu governo.
Quanto a George W. Bush, o arrais da Barca do Inferno deve estar a esperá-lo...
E vale refletir em que George W.Bush, depois de tudo que fizera, não pôde resistir aos impulsos de um ‘mea culpa’ que deve ter calado fundo em suas entranhas. As fotos de Abu Ghraib, que correram mundo através da imprensa e da Internet, especialmente pelas mãos de milhões de internautas, ficaram como um triste legado para futuras reflexões sobre até que ponto chega a baixeza de uma correlação de forças do mal. Permanecem as palavras de Abdel-Bari Atwan, à época, editor do jornal, rodado em Londres, Al-Quds al-Arabi em entrevista ao canal de tevê Al Jazeera: “A opinião pública árabe se pergunta quem deve ser julgado e justiçado: Saddam Hussein, que preservou a unidade do Iraque, sua identidade árabe e muçulmana e a coexistência de comunidades étnicas como a dos xiitas e a dos sunitas ou aqueles que mergulharam o país numa sangrenta guerra civil!”.
Saddam já havia sido executado, sem que nenhum dos juízes aprovados por Washington o impedisse – dois outros acolhiam o voto dos advogados de defesa e estes acabaram sendo eliminados – quando Bush surpreende olhando-se no espelho. Simplesmente, se dá conta de que Saddam Hussein caíra numa armadilha, montada não se sabe por quem, se pelo próprio Bush ou por Humsfeld, que falava e, às vezes, também agia pelo presidente. De todo modo, Bush desabafa ou finge desabafar, já com Saddam no estrado da morte. Diz ter sido ele assassinado, por vingança, o que não foi bem digerido pelos guardiães do petróleo árabe.


segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Bloqueio até a Bangladesh

Batalha de Stalingrado – marco da Vitória soviética sobre as linhas alemãs


Mal deram fim à União Soviética e os sobreviventes das cinzas daquele gigante asiático logo cuidaram de separar os seus ossos para a formação de novos países, o que, por sinal, já era esperado face à iminência da Guerra Fria. Deve-se reconhecer que o que houve antes da Guerra Fria foram dois conflitos com um mesmo inimigo: o Eixo, este constituído pela Alemanha Nazista, o Império do Japão e a Itália de Mussoline. Em suma, a ll Guerra Mundial, ou Grande Guerra, se dividira em dois blocos distintos: as Forças Aliadas, capitaneadas pelos Estados Unidos da América, e as Forças Patrióticas, da União Soviética, assim designadas por Moscou e que foram as primeiras a pisar solo alemão cumprindo-se, desta maneira, a troca de bandeira no alto do imponente edifício do Reichstag, ou seja, descia a bandeira Nazi e subia a da URSS.
Os americanos não se deram por vencidos nessa inusitada corrida dir-se-ia ao “pau de sebo” do Palácio do Reishstag... Fizeram foi lançar-se febrilmente à produção de toneladas de fitas cinematográficas mostrando ardilosamente terem sido eles e não os russos os vencedores da II Guerra Mundial. Quem dos anos 40\50, por aí, não se lembra de pretensos filmes heróicos de mocinhos que, nos telões, sempre ganhavam no corpo-a-corpo, inclusive, ou principalmente, dos nipônicos! Isto, sem recuar-se ao tempo das diligências, dos faroestes, dos revólveres fumegantes - indígenas derrubados de seus cavalos a trotes da civilização como para reproduzir a conquista do Oeste, séculos adiante, nas Olimpíadas de Los Angeles. A única exceção neste imbróglio, pelo que se depreende dos factos de um breve período de relax, foi Canção da Rússia, com o americano Robert Taylor contracenando com uma soviética, a selar, para Winston Churchill ver, uma política de boa vizinhança entre as duas superpotências. Enfim, a Paz, pensava-se. A Paz, entanto, pelo que nos pareceu, não chega a durar metade das projeções de Canção da Rússia.
O senador republicano Joseph McCarthy empoleira-se à tribuna do parlamento americano e seu nome se estende a macarthysmo, o mais negro ou um dos mais negros períodos da História dos Estados Unidos. Quando atores e atrizes de cinema, televisão, rádio, artistas de modo geral, incluindo-se novelistas, todos acusados de ligações com o comunismo internacional, em destaque a dramaturga judia Lillian Hellman, que não teve medo de McCarthy, enfrentando-o de peito aberto. E Taylor, ao contrário, praticamente se penitenciava de ter sido o galã de Canção da Rússia. Fez pior: passou a dedurar meio mundo em Hollywood. Como paga, McCarthy o libera.
Começara a Guerra Fria, com o casal de judeus Ethel e Julius Rosenberg, ambos cientistas americanos, que acusados, sem provas, de vazar segredos atômicos dos Estados Unidos para a União Soviética, são sumariamente executados na cadeira elétrica de Sing Sing, malgrado os pedidos de clemência que chegavam de todos os lados à Casa Branca.
À Guerra Fria seguiu-se uma seqüência de acontecimentos puxados pelo episódio oficialmente mal contado da derrubada do Word Trade Center, bastando o depoimento do porteiro da Torre Norte do WTC (não levado a termo por razões óbvias) em que afirmava ter ouvido explosões de dinamite no complexo de edifícios, como outras pessoas também disseram ter ouvido, mas logo forçadas a calar-se - para se chegar aos criminosos: altas patentes militares do Governo Bush.
O simples chamuscamento do Pentágono, com o sacrifício de uma legião de imigrantes, legais e ilegais: os hispanos, que incluem tanto cidadãos de língua espanhola como, ainda, de língua portuguesa, e que formavam a maioria, pelo que se sabe, daqueles que trabalhavam ou transitavam diariamente dentro do World Trade Center. As duas variáveis se traduziam no arquétipo do “Projeto para um novo Século”, matriz estratégica de futuras ações militares dos Governos Bush, pai e filho. Tal projeto consistia basicamente em provocar dentro dos próprios Estados Unidos uma tragédia de tal magnitude que pudesse sensibilizar a opinião pública mundial, em especial das nações com o pires na mão, girando qual borboletas em redor da luz.
A autoria, pois, da tragédia acaba sendo lançada aos ombros do “terrorismo islâmico”, que pela agenda da Casa Branca sucedia à figura pleonástica de Guerra Fria.
(Para maior compreensão do Projeto para um novo Século, recomendo a leitura em A História no Jornal, de outro texto meu, originalmente redigido em espanhol, por título El 11-S y sus raíces, dividido em 5 partes).
***
Outras ocorrências no mundo, como a chuva de mísseis sobre Bagdá, varrendo grande parte da própria história da Humanidade, e o covarde enforcamento de Sadam Hussein, entre outros crimes brutais do Império americano, deram continuidade ao Projeto de um novo Século.
O que virá agora? Mais derramamento de óleo de um petroleiro no Golfo do México, a espraiar-se sobre a flora e a fauna de uma região embora ligada não por laços afetivos aos Estados Unidos, único país do mundo a negar colaboração com outras potências para a saúde do universo!? Assiste-se a um levante da Natureza contra a mortandade de peixes, o fogo a crepitar nas matas em verdadeira devastação florestal à conta dos abates desenfreados para o mercado aberto de madeira; agora, até na Rússia made in USA, uma vez desmembrada a antiga União Soviética pelo capitalismo internacional e sem nenhum critério de proporcionalidade territorial e demográfica em relação às nações emancipadas. Em Gaza, que é uma mancha no Oriente Médio, vivem pouco mais de 1 milhão e meio de palestinos, dos quais cerca de 1 milhão são refugiados. Devido ao bloqueio imposto por Israel à faixa de Gaza, lá não entram alimentos, material de construção e nem combustível. Israel endureceu o bloqueio de víveres a partir do seqüestro de um de seus soldados pelo exército de Hamás.
E Bangladesh? Em pele e osso, ainda.

sábado, 24 de julho de 2010

Os camaleões do "trust"

Os camaleões do ‘trust’

Aqueles que pensam que serviço de espionagem é privilégio de um James Bomd dentro e fora das telas cinematográficas, quer dizer o do cinema, – ao parecer, já aposentado engana-se Tirante o James Bond com sua bengala de fazer mágica debaixo de uma lona de circo, tivemos muito atrás, na I Guerra Mundial, a holandesa Mata Hari, cujo nome verdadeiro era Margaretha Geertruida Macleod, capturada pelos alemães em princípios do século XX. Alinha-se, entanto, como a central de inteligência mais profícua a soviética KGB, hoje aos cuidados de Putin, com os já célebres mísseis, por via das dúvidas, apontados para o Ocidente, e seguindo-se a tão orquestrada Central de Inteligência dos Estados Unidos da América, a CIA.
E sabiam que na Cidade Maravilhosa, anos antes da mudança da capital para o cerrado do Planalto Central, já funcionou um serviço se bem que menos de espionagem do que de contra-espionagem? E o inusitado é que esse serviço operava 100% diuturnamente em defesa dos interesses brasileiros. Outra curiosidade é que ele se achava instalado praticamente dentro da Embaixada Americana!
O chefe desse serviço era um grande e corajoso jornalista, sisudo, de poucas palavras, um dos editores de A Noite, prestigioso órgão da imprensa brasileira que fazia parte das Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União. O jornalista, impecável em seus ternos feitos, tudo indicava, sob medida, alto, sapatos luzindo, a olhar sobranceiro por cima dos ombros de quem estivessse à sua frente, chamava a atenção pelo seu porte de militar em desfile pela data nacional da Independência americana. Um tipo escrito de gringo típico de Washington. Falava a língua inglesa com muita fluidez e seguia uma rotina no edifício de A Noite: apanhava um exemplar na mesa do contínuo, que o guardava para ele, e se dirigia ao elevador, descendo no piso da Rádio Nacional, onde normalmente ficava não mais que meia hora. Às vezes, entretanto, esticava um pouco mais, para uma troca de tapinhas com Heron Domingues, que fazia o Repórter Esso na Nacional sem que tivesse qualquer ligação com o “trust” do petróleo. (Tanto assim era que a morte do presidente Vargas foi muito sentida por Heron, a ponto do famoso locutor, que a noticiara com a voz trêmula de emoção, dias depois sofria um infarto fulminante).
E em dependências da Embaixada Americana o personagem misterioso passara meses a reproduzir o material que lhe interessava para compor um dossiê completo sobre as atividades escusas da Shell no Brasil. Tratava-se, portanto, daquilo que se conhece por contra-espionagem.
“E não usa chapéu”, uma vez, pensei com estranheza e certa desconfiança. “Nem cachimbo inclinado como o de Sherlock Holmes...” Era isso! Um detetive, pode ser. Daqueles a esvoaçarem pelas brumas de uma Londres com seus pesados capotes.
O tipo era mesmo de detetive, investigador, algo assim. Muito embora o nome dele, verdadeiro, pudesse ser o de algum personagem que Conan Doyle houvesse esquecido numa gaveta do seu escritório ou tendo-se já esgotado sua passagem genealógica pelo mundo.
Epitácio Caó, o jornalista investigativo (como se o definiria hoje) nome de personagem ou de escritor de ficção policial, viu o trust por dentro.
As artimanhas da Shell chegaram através dele em forma de libelo ao Congresso Nacional - como uma bomba. E logo se constituiu naquele poder uma Comissão Parlamentar de Inquérito a fim de apurar as gravíssimas denúncias de Caó, muito bem fundamentadas, documentadas, irretocáveis.
Com o selo de Panfleto, uma revista e editora de esquerda, quando Vargas já havia dado o seu tiro no peito - para evitar que o Brasil fosse envolvido pelos tentáculos do imperialismo, publicava-se sob grande expectativa o livro-bomba de Epitácio Caó, provocando a instalação de uma CPI no Congresso, e que logo nas primeiras linhas o Autor o justificava:
‘Aos que não me conhecem e aos que desavisadamente lerem este trabalho devo uma explicação sobre minha atitude em relação ao “trust” do petróleo.
É que, tendo eu trabalhado para os dois maiores grupos - Esso e Shell – neste último durante quase sete anos, e tendo me afastado de ambos, poderia ser mal interpretado o meu gesto’.
Enfatiza que “a verdade pura e simples, porém, é que nunca pensei em fazer carreira no ‘trust’. E que logo nos primeiros instantes sentiu que ‘todo aquele ambiente se chocava com os meus ideais de brasileiro, embora não deixasse de ser um interessante campo de estudo e observação para um repórter. Acrescentando: ‘À proporção que me aproximava, então, cada vez mais, dos elementos de primeira grandeza da administração do “trust”, conhecendo seu caráter, sua mentalidade e sua conduta, pela natureza de minhas funções, maior era o meu sentimento de brasilidade”. Caó afirma ter entrado para o ‘trust’ já se preparando para dele sair. E que a prova disto são fatos e documentos deste seu livro, que datam mais ou menos do seu ingresso no ‘trust’.
“Eu vi o ‘trust’ por dentro”, título do livro, saiu três anos após a morte de Getúlio Vargas e em meio à tramitação da CPI do petróleo instituída no Congresso para apurar a denúncia das atividades sorrateiras da Shell e da Esso em nosso país.
Epitácio Caó trabalhava na Shell como um dos redatores da revista deste ‘trust’ – por sinal, palavra proibida em sua Redação. Preocupava-se o ‘trust’ em ser simpático à classe militar brasileira. Na legenda de uma foto da revista, lê-se que “as classes armadas são o esteio de toda a estabilidade política do país”. E que, “por isso, é preciso penetrar nelas, e um dos meios excelentes para tal fim são os aparentemente inofensivos ‘house magazines’; a legenda, então, mostra, a reprodução de capas das duas revistas com motivos militares, ou seja: Batalhão de Guardas e Polícias Militares.
Nosso personagem dir-se-ia ‘sherlockeano’ fala no sacrifício de heróis de uma batalha que, no Brasil, impulsou Vargas à renúncia à própria vida como um passo decidido rumo a uma verdadeira independência econômica nacional. Sem deixar de rememorar episódios da Guerra Fria – “incentivada desde que o petróleo deixou de ser assunto proibido. Sim, porque houve época em que a tranqüilidade dos ‘trusts’ era absoluta, pois ninguém poderia falar sobre petróleo sem arriscar-se a ir para a cadeia”...
O grupo Shell em nada difere da Esso, segundo o Autor, “quanto ao seu extraordinário interesse pela conquista do petróleo brasileiro, empenhando-se a fundo por consegui-lo, embora usando de outras armas e artimanhas’... Comenta que “quando se fala em ‘trust’ do petróleo e se lhe procura combater a ação quem aparece sempre em foco é a Standart (Esso), enquanto a Shell permanece esquecida, como se estivesse alheia à situação, apenas vivamente empenhada em contribuir para o desenvolvimento de nosso país, fornecendo-lhe os derivados do petróleo de que este tanto necessita... “E este curioso fato é muito comentado nas altas esferas da administração da Shell, como sendo uma das grandes vitórias dos seus métodos de ação em nosso país, rigorosamente como convém ao estilo frio e calculado de toda espécie de capitalismo ‘colonizador’ inglês”.
A fim de saber-se em que deu aquela CPI, o caminho natural seria uma consulta aos Anais do Congresso, se é que ainda existam lá transcrições plenárias sobre um assunto que manteve de pé os parlamentares da época em que encostaram à parede, ou pensaram haver encostado, os camaleões do ‘trust’. Desconhece-se, porém, se entre aquela época e a atual, em face do interregno imposto pelo ciclo ditatorial recente, algum parlamentar tenha ao menos pensado em revolver o que se passou pela tribuna e nos gabinetes da Casa.
Outro aspecto da infiltração do ‘trust’ na vida social do brasileiro refere-se, pelo que nos passa o Autor, a uma aparente disputa de liderança entre a Esso e o ‘trust’ anglo-holandês, isto é, a Shell. Conta que sob o “pomposo rótulo de ‘Filmoteca Cultural Shell’, o ‘trust’, que não gosta da palavra ‘nacional’ organizou um serviço de exibição de filmes a domicílio - leia-se estabelecimentos de ensino, quartéis, departamentos do governo, etc – que dispõe de uma centena de películas, com várias cópias, 90% das quais tecnicamente produzidas para levar ao espectador da maneira mais sutil e inteligente a mensagem de propaganda do ‘trust’.
Ocupa-se também o Autor da discriminação racial que havia nos escritórios da Shell e da Esso, não sendo admitidos funcionários que não fossem brancos, “embora nas páginas dos variados ‘staff magazines’, isto é, nas publicações destinadas aos empregados daquelas companhias estrangeiras de petróleo aparecessem constantemente “fotografias de negros”. (Vale considerar tais observações de Epitácio Caó de quando estava escrevendo o seu livro).
O livro vem prefaciado, provavelmente, pela ininteligibilidade parcial da assinatura (lê-se claramente abaixo do prefácio, a finalizar os caracteres iniciais, o nome Vargas, e levando-se em conta o talhe de letras e o estilo de redação), por Alzira Vargas.
Alzira Vargas, autora de “Getúlio Vargas, Meu Pai”, no prefácio de “Eu vi o ‘trust’ por dentro” recomendava a leitura deste livro como um ato de brasilidade. Sublinhava tratar-se de “um libelo realmente sério e honesto”. Referindo-se ao Autor como um “moço intrépido e destemido que decidiu correr os riscos de dizer a verdade, somente a verdade, denunciando, documentadamente, a sabotagem contra o Brasil promovida pelos senhores do monopólio mundial de combustíveis líquidos (...). E que ele estava “ante uma atraente oportunidade para localizar um dos ângulos mais expressivos da obra de Getúlio Vargas e de sua luta pela emancipação econômica do país”. Dizia mais: “Meu pai se antecipou a outro qualquer estadista brasileiro na perfeita compreensão do que vale a ideologia do desenvolvimento, isto é, o Nacionalismo, num ‘país subdesenvolvido’ – eufemismo sob o qual se oculta a exploração colonialista”...

Em tempo:
Nacionalismo e, mesmo, nacional, segundo o Autor de Eu Vi o ‘Trust’ Por Dentro, eram termos rigorosamente proibidos na Redação.