- I - A UDN ressurrecta
A violenta invasão da Câmara dos Deputados por centenas de manifestantes de uma dissidência do Movimento dos Sem Terra (MST), no meio do ano de 2006, é ao que parece um desses filmes que já vimos antes. Produzidos com um só objetivo, ainda bem que nem sempre alcançado: alterar a qualquer preço a vontade popular na condução de um processo político e/ou institucional.
Estaria por trás uma oposição encapuzada? Com a cauda de fora, talvez. Precedentes não faltam na teia mundial. No Brasil, temos 1964. Quando o governo norte-americano compra a briga de Carlos Lacerda com João Goulart, herdeiro político de Getúlio Vargas, ao derramar dólares nos meios de comunicação, inclusive individualmente, entre jornalistas, e financiar a peso de ouro entidades destinadas a atropelar as Reformas de Base de uma República Trabalhista que, mal ou bem, então se esboçava, tais como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) e o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes). Contrapunham-se ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb)¹, criado em 14 de julho de 1955 como órgão do Ministério da Educação e Cultura, passado quase um ano da morte trágica de Vargas.
1. Na opinião do historiador e general reformado Nelson Werneck Sodré, já falecido, entrevistado em maio de 1988 pelo professor universitário Dênis de Moraes, “o golpe de 64 não foi um golpe militar”, mas sim um “golpe político, vitorioso na área política. Isolado o governo, deu-se a operação militar de ocupação”. Ressaltou que o Iseb, por suas posições nacionalistas, “caiu no índex das forças reacionárias”, que lhe moveram uma campanha sem trégua, tendo propagado “com muita arte e engenhosidade” ser o Instituto Superior de Estudos Brasileiros “uma coisa espantosamente poderosa, capaz de influir no governo, controlá-lo, traçar rumos para o país”. Segundo Sodré, “uma balela” que visava à esquerdização e ao conseqüente esvaziamento do Iseb, isolando as forças progressistas até reduzi-las “à impotência”. E que, com efeito, na montagem do golpe de 1964, “ o Iseb se tornou um dos alvos prediletos da reação. Tanto assim que foi depredado na manhã do dia 1º de abril, por elementos ligados ao então governador da Guanabara”, Carlos Lacerda. (Nota do autor)
João Goulart, Jango, chegara à metade do poder (à metade, por terem substituído o regime presidencialista pelo parlamentarista -- posto abaixo, afinal, em 6 de janeiro de 1963, através de plebiscito) graças à Campanha Nacional pela Legalidade, desfechada do Rio Grande do Sul por Leonel Brizola ao impacto da renúncia do presidente Jânio Quadros e da posse ameaçada de Jango, vice-presidente eleito pelo PTB. Em 13 de março de 1964, com o Comício Pró-Reformas de Base, o comício da Central do Brasil, o governo Goulart iniciava um processo revolucionário que os Estados Unidos não deixaram ir adiante², golpeando-o com o terçado de uma contra-revolução a que os golpistas nacionais deram o epíteto de Redentora.
2. Dias ou semanas atrás do apeamento de Goulart do poder, houve desembarque não de tropas do Pentágono no Brasil mas de observadores da situação no Nordeste de Miguel Arraes e as Ligas Camponesas, para execução, se necessário fosse, da Operação Brother Sam a partir de S. Paulo. Seria o estalar de uma guerra civil, com a cobertura militar dos EUA a incursões das forças conservadoras internas, uma possibilidade já admitida pelo presidente Goulart, cuja política de oscilações, mantida até pouco antes de subir o palanque das Reformas, quando lançaria seu único dardo, vinha sendo criticada entre quatro paredes pelo governador do Rio Grande, Leonel Brizola, sem dúvida o braço forte de uma resistência que pudesse ser exercida. Responsável pela posse de Jango na vaga aberta pela renúncia de Jânio, Brizola, sem o qual Jango talvez voltasse da China, aonde fora em missão oficial, como cidadão comum, oferecera-lhe o Palácio Piratini para sede provisória do governo da República. Confiante no então poderoso III Exército e, quem sabe, numa guerrilha sertaneja que Euclides da Cunha mostrara ser possível acontecer num cenário bem diferente e maior que o de Canudos.
A violenta invasão da Câmara dos Deputados por centenas de manifestantes de uma dissidência do Movimento dos Sem Terra (MST), no meio do ano de 2006, é ao que parece um desses filmes que já vimos antes. Produzidos com um só objetivo, ainda bem que nem sempre alcançado: alterar a qualquer preço a vontade popular na condução de um processo político e/ou institucional.
Estaria por trás uma oposição encapuzada? Com a cauda de fora, talvez. Precedentes não faltam na teia mundial. No Brasil, temos 1964. Quando o governo norte-americano compra a briga de Carlos Lacerda com João Goulart, herdeiro político de Getúlio Vargas, ao derramar dólares nos meios de comunicação, inclusive individualmente, entre jornalistas, e financiar a peso de ouro entidades destinadas a atropelar as Reformas de Base de uma República Trabalhista que, mal ou bem, então se esboçava, tais como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) e o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes). Contrapunham-se ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb)¹, criado em 14 de julho de 1955 como órgão do Ministério da Educação e Cultura, passado quase um ano da morte trágica de Vargas.
1. Na opinião do historiador e general reformado Nelson Werneck Sodré, já falecido, entrevistado em maio de 1988 pelo professor universitário Dênis de Moraes, “o golpe de 64 não foi um golpe militar”, mas sim um “golpe político, vitorioso na área política. Isolado o governo, deu-se a operação militar de ocupação”. Ressaltou que o Iseb, por suas posições nacionalistas, “caiu no índex das forças reacionárias”, que lhe moveram uma campanha sem trégua, tendo propagado “com muita arte e engenhosidade” ser o Instituto Superior de Estudos Brasileiros “uma coisa espantosamente poderosa, capaz de influir no governo, controlá-lo, traçar rumos para o país”. Segundo Sodré, “uma balela” que visava à esquerdização e ao conseqüente esvaziamento do Iseb, isolando as forças progressistas até reduzi-las “à impotência”. E que, com efeito, na montagem do golpe de 1964, “ o Iseb se tornou um dos alvos prediletos da reação. Tanto assim que foi depredado na manhã do dia 1º de abril, por elementos ligados ao então governador da Guanabara”, Carlos Lacerda. (Nota do autor)
João Goulart, Jango, chegara à metade do poder (à metade, por terem substituído o regime presidencialista pelo parlamentarista -- posto abaixo, afinal, em 6 de janeiro de 1963, através de plebiscito) graças à Campanha Nacional pela Legalidade, desfechada do Rio Grande do Sul por Leonel Brizola ao impacto da renúncia do presidente Jânio Quadros e da posse ameaçada de Jango, vice-presidente eleito pelo PTB. Em 13 de março de 1964, com o Comício Pró-Reformas de Base, o comício da Central do Brasil, o governo Goulart iniciava um processo revolucionário que os Estados Unidos não deixaram ir adiante², golpeando-o com o terçado de uma contra-revolução a que os golpistas nacionais deram o epíteto de Redentora.
2. Dias ou semanas atrás do apeamento de Goulart do poder, houve desembarque não de tropas do Pentágono no Brasil mas de observadores da situação no Nordeste de Miguel Arraes e as Ligas Camponesas, para execução, se necessário fosse, da Operação Brother Sam a partir de S. Paulo. Seria o estalar de uma guerra civil, com a cobertura militar dos EUA a incursões das forças conservadoras internas, uma possibilidade já admitida pelo presidente Goulart, cuja política de oscilações, mantida até pouco antes de subir o palanque das Reformas, quando lançaria seu único dardo, vinha sendo criticada entre quatro paredes pelo governador do Rio Grande, Leonel Brizola, sem dúvida o braço forte de uma resistência que pudesse ser exercida. Responsável pela posse de Jango na vaga aberta pela renúncia de Jânio, Brizola, sem o qual Jango talvez voltasse da China, aonde fora em missão oficial, como cidadão comum, oferecera-lhe o Palácio Piratini para sede provisória do governo da República. Confiante no então poderoso III Exército e, quem sabe, numa guerrilha sertaneja que Euclides da Cunha mostrara ser possível acontecer num cenário bem diferente e maior que o de Canudos.
- II - A UDN ressurrecta
EM 14 de junho de 1982, assinada a rendição das tropas argentinas às inglesas, o general Leopoldo Galtieri, que experimentara dias de glória com a retomada das ilhas Malvinas e o desempenho notável de sua força aérea, era alvo de apupos orquestrados por agentes da CIA que se tinham infiltrado numa manifestação pública em Buenos Aires não propriamente contra o ditador-presidente (apoiado maciçamente pelas esquerdas e outras correntes políticas do país durante a guerra) mas de justa indignação com a derrota frente ao Reino Unido; extensivamente, à OTAN. Galtieri tornara-se persona non grata nos EUA a partir do momento em que ameaçou cortar relações diplomáticas com eles (as comerciais já haviam sido praticamente cortadas, e pelos norte-americanos) após mudar o rumo das exportações do trigo argentino, de Washington, que as suspendera como é de seu feitio proceder em tais circunstâncias, para Moscou.
E o que dizer da infiltração da CIA na marcha da oposição a Hugo Chávez, na Venezuela, em 2002, que lhe custou o afastamento da presidência por 48 horas e a detenção num quartel distante da capital, sucedendo-o o empresário Pedro Carmona sem que tenha tido tempo de sentir o gosto do poder? O governo norte-americano, que planejara o golpe, dera com os burros n’água.
A CIA e tampouco o Departamento de Defesa dos EUA nada têm a ver, direta ou indiretamente, com o recente quebra-quebra em Brasília. Aos EUA -- macaco velho -- interessa tirar proveito de uma situação como essa sem meterem a mão na cumbuca, por haver entre nós quem faça isso por eles e a baixo custo. A ser assim, quem estaria por trás da arruaça supostamente planejada, ou apoiada, por opositores, não do Partido dos Trabalhadores nem de Lula da Silva, este a liderar com ampla margem de votos sucessivas pesquisas de opinião, de várias agências, praticamente às vésperas das eleições presidenciais -- mas do processo de independência econômica, política e social em curso na América Latina?
Tal a importância da República Federativa do Brasil como chave-mestra do Hemisfério Sul que os EUA não deitam suas vistas com maior interesse do que têm pela imensa e rica fatia brasileira sobre qualquer outro país da região. Luiz Inácio Lula da Silva, apesar de suas relações pessoais com George W. Bush serem consideradas bastante razoáveis, ultrapassando a raia da mera cordialidade, Bush sabe que a reeleição de Lula comprometeria o projeto da Alca ou mesmo o do Nafta devido ao fato de o presidente brasileiro estar ligado ao processo de formação de uma “comunidade latino-americana de nações”, como consta em nossa Constituição de 88.
- III - A UDN ressurrecta
A quem poderia interessar a desestabilização do atual governo através de ações como a dos autoproclamados sem-terra na Câmara dos Deputados, alguns até já assentados? Não seria a uma UDN ressurrecta?! Como a do passado, a de hoje, com outro nome, pode estar acendendo velas em janelas do Flamengo... (Dir-se-ia mandinga do Clube da Lanterna). Daquelas velas acesas por respeitáveis senhoras lacerdistas durante o Comício monstro da Central, que tanto irritou as classes dominantes de dentro e fora do país que se apressaram na militarização total do movimento de ruptura de um processo histórico iniciado no Estado Novo e no curto período de governo democrático de Getúlio Vargas, quando institui-se, em 1953, o monopólio estatal do petróleo e surge, assim, a Petrobrás.
Em 1964, Jango no palanque das Reformas de Base falando a uma multidão calculada em 130 mil pessoas. Pouco antes, no Palácio das Laranjeiras, dera o primeiro passo para a reforma agrária ao assinar o decreto da Supra, Superintendência de Reforma Agrária, seguido de um outro, por indicação de Leonel Brizola, encampando refinarias particulares de petróleo. Era o começo de uma revolução trabalhista, que já tinha em mira um plebiscito para a reforma da Constituição e a eleição de um novo Congresso, com ampla e autêntica representatividade popular.
“Nenhuma força será capaz de impedir que o governo continue a assegurar absoluta liberdade ao povo brasileiro. E para isso podemos declarar, com orgulho, que contamos com a compreensão e o patriotismo das bravas e gloriosas Forças Armadas”, enfatizou o presidente João Goulart no Comício da Central.
A um tempo, o presidente contava com a lealdade de expressivos contingentes das Forças Armadas e esforçava-se por esconder sua preocupação menos com o movimento nos quartéis do que com a tropa de choque udenolacerdista ancorada na Embaixada americana. Ou seja: com os artífices da traição à pátria. Civis, praticamente todos.
E pensar no arrependimento tardio de Carlos Lacerda³. Ao sentir-se logrado justamente pela Redentora, visto que já tinha como favas contadas a chance de candidatar-se à presidência da República e, uma vez vitorioso, conforme esperava, de suceder ao marechal Castelo Branco. Conduzido ao poder nos ombros dos militares mais conservadores para os quais as elites civis que conspiravam contra Jango e as fileiras nacionalistas das Forças Armadas haviam deixado o caminho livre. Saindo de cena.
A Lacerda, faltavam as divisas. 3. Em 25 de setembro de 1967, Carlos Lacerda e João Goulart firmavam em Montevidéu documento pelo qual se comprometiam à formação de uma Frente Ampla em busca de “soluções pacíficas para a crise brasileira, sem cultivar ressentimentos pessoais, nem propósitos revanchistas”. O documento seria levado a JK para que também ele o assinasse. Quanto a Brizola, que Lacerda nem procurou no Uruguai, sabendo que perderia seu tempo, não embarca na tal Frente: uma canoa furada, deve ter pensado. Brizola tinha razão, sempre -- dizia-se. (N. do autor).
A UDN ressurrecta
- IV-
Ao homologar a candidatura de Geraldo Alckmin ao Planalto, dias após o quebra-quebra de dissidentes do MST no Congresso, a convenção nacional do PSDB foi pródiga em ataques ao presidente da República e ao PT. O próprio Alckmin vociferou: “Que tempos são esses, no Brasil, em que a cada vez que ouvem uma notícia sobre a quadrilha dos 40, os brasileiros pensam automaticamente, em silêncio: e o chefe? Onde está o chefe, o líder dos 40 ladrões!”. E o mais grave: “O aparelho de Estado foi tomado de assalto por quem deveria geri-lo”. No mesmo tom, outras vozes udenopessedebistas a arrancar aplausos de uma assistência, ou militância, delirante; uma delas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a acusar Luiz Inácio Lula da Silva de ter virado “a casaca”, de ter virado “o homem dos banqueiros”. Como se não tivesse sido Cardoso o homem que elevou os bancos ao patamar de um poder da República, para o que e a fim de impulsar a neoliberália, em obediência às determinações do Consenso de Washington, precisou de dois mandatos sucessivos, conseguindo-o finalmente através da compra de votos no Congresso Nacional.
Desce o pano da era Cardoso com o Brasil tendo perdido cerca de 80% do seu patrimônio. O governo batera o martelo sobre as estatais em fila no corredor da morte -- “com transparência e dentro dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade”, dizia o Programa Nacional de Privatizações depois de dar a seguinte explicação: “A venda das estatais desonera a administração pública e gera recursos para a saúde, educação, segurança, previdência e outras áreas sociais”. Só que até hoje ninguém se debruçou sobre o que teria sido apurado com a venda da Companhia Vale do Rio Doce¹, das telecomunicações e de outras jóias da coroa, sem incluir a quebra do monopólio estatal do petróleo e seus desdobramentos no setor, e muito menos em quais “áreas sociais” foi empregado o dinheiro.
1. Antes de estourar a II Guerra Mundial, a britânica Itabira Iron Ore Company explorava riquezas do subsolo brasileiro que se estendiam pelo Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, mediante concessão. Convicto de que ao Brasil não interessava meter-se naquela guerra, a não ser que dela tirasse algum proveito antecipado, inicialmente, Getúlio Vargas, após receber da indústria alemã Krupp a proposta de construir a primeira siderúrgica brasileira -- que Washington vinha cozinhando em banho-maria -- e só desse modo obter dos EUA o sinal verde para as obras, o presidente, em 1942, baixa decreto-lei criando a Companhia Vale do Rio Doce e, aí sim, declara guerra à Alemanha e outros países do Eixo. Não sem a Inglaterra ter-lhe devolvido os direitos de exploração das jazidas. Corre o tempo e entra-se na década de 90. O Exército norte-americano revela, abrindo documento reservado, plano de invasão do território brasileiro se Vargas não houvesse entrado na guerra de cachorro grande.
Só o fato de saber-se da cobertura das privatizações por parte do BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, mediante o financiamento da compra de bens patrimoniais da nação brasileira por grupos transnacionais ou testas de ferro da gringolândia, caracteriza o crime de lesa-pátria.
Neste caso, onde estariam os “40 ladrões”? Então o chefe não se chamaria Luiz Inácio Lula da Silva!
A UDN ressurrecta
Ao homologar a candidatura de Geraldo Alckmin ao Planalto, dias após o quebra-quebra de dissidentes do MST no Congresso, a convenção nacional do PSDB foi pródiga em ataques ao presidente da República e ao PT. O próprio Alckmin vociferou: “Que tempos são esses, no Brasil, em que a cada vez que ouvem uma notícia sobre a quadrilha dos 40, os brasileiros pensam automaticamente, em silêncio: e o chefe? Onde está o chefe, o líder dos 40 ladrões!”. E o mais grave: “O aparelho de Estado foi tomado de assalto por quem deveria geri-lo”. No mesmo tom, outras vozes udenopessedebistas a arrancar aplausos de uma assistência, ou militância, delirante; uma delas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a acusar Luiz Inácio Lula da Silva de ter virado “a casaca”, de ter virado “o homem dos banqueiros”. Como se não tivesse sido Cardoso o homem que elevou os bancos ao patamar de um poder da República, para o que e a fim de impulsar a neoliberália, em obediência às determinações do Consenso de Washington, precisou de dois mandatos sucessivos, conseguindo-o finalmente através da compra de votos no Congresso Nacional.
Desce o pano da era Cardoso com o Brasil tendo perdido cerca de 80% do seu patrimônio. O governo batera o martelo sobre as estatais em fila no corredor da morte -- “com transparência e dentro dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade”, dizia o Programa Nacional de Privatizações depois de dar a seguinte explicação: “A venda das estatais desonera a administração pública e gera recursos para a saúde, educação, segurança, previdência e outras áreas sociais”. Só que até hoje ninguém se debruçou sobre o que teria sido apurado com a venda da Companhia Vale do Rio Doce¹, das telecomunicações e de outras jóias da coroa, sem incluir a quebra do monopólio estatal do petróleo e seus desdobramentos no setor, e muito menos em quais “áreas sociais” foi empregado o dinheiro.
1. Antes de estourar a II Guerra Mundial, a britânica Itabira Iron Ore Company explorava riquezas do subsolo brasileiro que se estendiam pelo Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, mediante concessão. Convicto de que ao Brasil não interessava meter-se naquela guerra, a não ser que dela tirasse algum proveito antecipado, inicialmente, Getúlio Vargas, após receber da indústria alemã Krupp a proposta de construir a primeira siderúrgica brasileira -- que Washington vinha cozinhando em banho-maria -- e só desse modo obter dos EUA o sinal verde para as obras, o presidente, em 1942, baixa decreto-lei criando a Companhia Vale do Rio Doce e, aí sim, declara guerra à Alemanha e outros países do Eixo. Não sem a Inglaterra ter-lhe devolvido os direitos de exploração das jazidas. Corre o tempo e entra-se na década de 90. O Exército norte-americano revela, abrindo documento reservado, plano de invasão do território brasileiro se Vargas não houvesse entrado na guerra de cachorro grande.
Só o fato de saber-se da cobertura das privatizações por parte do BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, mediante o financiamento da compra de bens patrimoniais da nação brasileira por grupos transnacionais ou testas de ferro da gringolândia, caracteriza o crime de lesa-pátria.
Neste caso, onde estariam os “40 ladrões”? Então o chefe não se chamaria Luiz Inácio Lula da Silva!
A UDN ressurrecta
-V-
Ainda soa aos ouvidos da nação o arrebatamento da diretora de Desestatização do BNDES nos primórdios do governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1995, Elena Landau: “Eu estou vendendo o Brasil!”
Um colunista social, Fred Suter, do jornal O Dia (16 de agosto de 1995), chegou a comentar: “A declaração repercutiu muito mal nos círculos militares”.
E a Folha de S.Paulo, na edição de 14 de abril de 1996, abria espaço para a economista Elena Landau ver em sua bola de cristal o Brasil quando já tivesse vendido todas as estatais:
“O processo de estabilização estará consolidado, e o custo da dívida pública será ‘carregável’ e alongado. O Brasil é um país solvente. O programa de privatização aumenta a credibilidade do país e permite que nossa dívida seja alongada cada vez mais”.
Na mesma edição, a Folha de S.Paulo abria a seguinte manchete:
Venda de estatais não atinge objetivo
Explosão da dívida anula os efeitos da privatização Reportagem a quatro mãos, de Fernando Godinho, coordenador de Economia, e Reinaldo Azevedo, coordenador de Política, da Sucursal de Brasília, da Folha, mostrava que de outubro de 1991 até abril de 1996 “as privatizações renderam R$ 13 bilhões”. E que, “no período, a dívida saltou de US$ 11,4 bilhões para US$ 125, 531 bilhões (ou R$ 127, 353 bilhões, pela conversão do dólar médio de março)”.
Nesse caso, calculava a Folha, “a evolução bruta da dívida pública federal desde 1991 é aproximadamente 777, 93% maior que todo o resultado do programa de privatização”. E observava que, dos R$ 13 bilhões gerados pelo programa, R$ 10, 4 bilhões eram constituídos de moedas podres.
Ainda a Folha: “Ou seja, de 1991 -- início das privatizações -- até hoje (abril de 1996), entraram no caixa do governo, em dinheiro vivo, apenas R$ 2,6 bilhões”. Quarenta e quatro empresas estatais foram privatizadas nesse período, além da venda de participações minoritárias da União em outras empresas, segundo o BNDES.
Os autores da reportagem trocaram em miúdos todo esse imbróglio do neoliberalismo para emergentes: “A rigor, receber moedas podres em troca de estatais ajuda no abate da dívida pública federal. Ocorre que essa dívida galopa por razões não associadas à privatização. Resumo: em termos de política econômica global, o governo se desfaz do patrimônio público e fica devendo cada vez mais”.
O que dizer agora que lá se foram, também, a Vale (leiloada em 7 de maio de 1997), as teles²... pelas mãos do governo Cardoso?
2. O processo de privatização das telecomunicações iniciou-se em 1997.
A UDN ressurrecta
Ainda soa aos ouvidos da nação o arrebatamento da diretora de Desestatização do BNDES nos primórdios do governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1995, Elena Landau: “Eu estou vendendo o Brasil!”
Um colunista social, Fred Suter, do jornal O Dia (16 de agosto de 1995), chegou a comentar: “A declaração repercutiu muito mal nos círculos militares”.
E a Folha de S.Paulo, na edição de 14 de abril de 1996, abria espaço para a economista Elena Landau ver em sua bola de cristal o Brasil quando já tivesse vendido todas as estatais:
“O processo de estabilização estará consolidado, e o custo da dívida pública será ‘carregável’ e alongado. O Brasil é um país solvente. O programa de privatização aumenta a credibilidade do país e permite que nossa dívida seja alongada cada vez mais”.
Na mesma edição, a Folha de S.Paulo abria a seguinte manchete:
Venda de estatais não atinge objetivo
Explosão da dívida anula os efeitos da privatização Reportagem a quatro mãos, de Fernando Godinho, coordenador de Economia, e Reinaldo Azevedo, coordenador de Política, da Sucursal de Brasília, da Folha, mostrava que de outubro de 1991 até abril de 1996 “as privatizações renderam R$ 13 bilhões”. E que, “no período, a dívida saltou de US$ 11,4 bilhões para US$ 125, 531 bilhões (ou R$ 127, 353 bilhões, pela conversão do dólar médio de março)”.
Nesse caso, calculava a Folha, “a evolução bruta da dívida pública federal desde 1991 é aproximadamente 777, 93% maior que todo o resultado do programa de privatização”. E observava que, dos R$ 13 bilhões gerados pelo programa, R$ 10, 4 bilhões eram constituídos de moedas podres.
Ainda a Folha: “Ou seja, de 1991 -- início das privatizações -- até hoje (abril de 1996), entraram no caixa do governo, em dinheiro vivo, apenas R$ 2,6 bilhões”. Quarenta e quatro empresas estatais foram privatizadas nesse período, além da venda de participações minoritárias da União em outras empresas, segundo o BNDES.
Os autores da reportagem trocaram em miúdos todo esse imbróglio do neoliberalismo para emergentes: “A rigor, receber moedas podres em troca de estatais ajuda no abate da dívida pública federal. Ocorre que essa dívida galopa por razões não associadas à privatização. Resumo: em termos de política econômica global, o governo se desfaz do patrimônio público e fica devendo cada vez mais”.
O que dizer agora que lá se foram, também, a Vale (leiloada em 7 de maio de 1997), as teles²... pelas mãos do governo Cardoso?
2. O processo de privatização das telecomunicações iniciou-se em 1997.
A UDN ressurrecta
VI-
O Partido dos Trabalhadores homologa a candidatura da chapa Lula-Alencar a mais quatro anos -- aliás, dois mandatos sucessivos: invenção do presidente anterior por artes de berliques e berloques --, o atual presidente afirma ter realizado mais em 42 meses que o tucanato em oito anos, e Fernando Henrique Cardoso, o sociólogo mágico, perde a pose. Como se depreende da manchete de 26 de junho de 2006 de O Estado de S.Paulo:
FHC: Lula é bom de garganta e apenas ganha em corrupção
O ex-presidente não admitiu uma disputa sobre quem seria mais corrupto?
Argemiro Ferreira, em sua coluna na Tribuna da Imprensa (20 de junho de 2006), publicou carta de Arthur Poerner dirigida a Carlos Lupi, presidente do PDT, bastante esclarecedora dos descaminhos e não propriamente da desunião, como quer Roberto Freire, da esquerda no Brasil. Poerner, como um dos signatários da Carta de Lisboa, que marcou a reabilitação do trabalhismo brasileiro embora sob nova legenda, que viria a ser PDT, visto que a histórica, PTB³, fora escamoteada em “sórdida manobra governamental” -- palavras de Leonel Brizola na ocasião -- acatada pela Justiça Eleitoral, afirma não poder concordar com “os rumos trilhados, ultimamente, pelo partido”.
3. A 17 de junho de 1979, em presença de Mário Soares, que representava a Internacional Socialista, se reuniam em Portugal, preparando-se para o retorno ao Brasil depois de anos de desterro, agora anistiados, Leonel Brizola, Darcy Ribeiro, Doutel de Andrade e outros trabalhistas históricos, além de novos ou simpatizantes do trabalhismo criado por Vargas e seguido por Jango. Firmaram a Carta de Lisboa, na qual se comprometiam a recriar o Partido Trabalhista Brasileiro. Em solo pátrio, tiveram negado no Superior Tribunal Eleitoral o pedido de registro do PTB, perdendo a sigla que já por tradição lhes pertencia para uma sobrinha em 2° grau de Getúlio Vargas: Cândida Ivete Vargas Tatsch, à frente de um grupo ligado a Golbery do Couto e Silva, estrategista político da Redentora. Um ato de traição a Getúlio, Jango e Brizola; aos trabalhadores. Foi a 12 de maio de 1980 que o PTB era entregue a Ivete e seu grupo. Dias 17 e 18 de maio, no Palácio Tiradentes, realizava-se o Encontro Nacional dos Trabalhistas, quando se anunciou a nova sigla do trabalhismo: PDT. Em 25 de maio, na ABI, eram aprovados, em assembléia geral, os estatutos e o programa do novo partido. (Nota do autor)
Em sua carta a Lupi, Arthur Poerner afasta-se do PDT, “partido que foi parte da minha vida ao longo dos últimos 27 anos”. Diz que não pode “referendar o encaminhamento que vem sendo dado à participação pedetista na próxima eleição presidencial”. Observa que “o governo Lula, apesar dos defeitos, falhas e omissões que se lhe possam atribuir, não é o nosso inimigo; ele é, sim, o avanço nacional possível nas atuais conjunturas interna e externa. Não reelegê-lo significa, na prática, devolver o poder às elites que impedem a participação do nosso povo desde os tempos do escravagismo, agora travestidas de neoliberais, com suas privatizações e alienações das riquezas nacionais, suas políticas de concentração de renda, sua aversão aos pobres, sua submissão aos EUA e, daí, seu sistemático boicote às tentativas de integração latino-americana”.
Poerner se recusa a contribuir “para que a primeira experiência de um homem do povo na presidência do meu país seja afogada pelas marolas alvoroçadas, hipocritamente, por falsos moralistas udeno-tucanos”.
O Partido dos Trabalhadores homologa a candidatura da chapa Lula-Alencar a mais quatro anos -- aliás, dois mandatos sucessivos: invenção do presidente anterior por artes de berliques e berloques --, o atual presidente afirma ter realizado mais em 42 meses que o tucanato em oito anos, e Fernando Henrique Cardoso, o sociólogo mágico, perde a pose. Como se depreende da manchete de 26 de junho de 2006 de O Estado de S.Paulo:
FHC: Lula é bom de garganta e apenas ganha em corrupção
O ex-presidente não admitiu uma disputa sobre quem seria mais corrupto?
Argemiro Ferreira, em sua coluna na Tribuna da Imprensa (20 de junho de 2006), publicou carta de Arthur Poerner dirigida a Carlos Lupi, presidente do PDT, bastante esclarecedora dos descaminhos e não propriamente da desunião, como quer Roberto Freire, da esquerda no Brasil. Poerner, como um dos signatários da Carta de Lisboa, que marcou a reabilitação do trabalhismo brasileiro embora sob nova legenda, que viria a ser PDT, visto que a histórica, PTB³, fora escamoteada em “sórdida manobra governamental” -- palavras de Leonel Brizola na ocasião -- acatada pela Justiça Eleitoral, afirma não poder concordar com “os rumos trilhados, ultimamente, pelo partido”.
3. A 17 de junho de 1979, em presença de Mário Soares, que representava a Internacional Socialista, se reuniam em Portugal, preparando-se para o retorno ao Brasil depois de anos de desterro, agora anistiados, Leonel Brizola, Darcy Ribeiro, Doutel de Andrade e outros trabalhistas históricos, além de novos ou simpatizantes do trabalhismo criado por Vargas e seguido por Jango. Firmaram a Carta de Lisboa, na qual se comprometiam a recriar o Partido Trabalhista Brasileiro. Em solo pátrio, tiveram negado no Superior Tribunal Eleitoral o pedido de registro do PTB, perdendo a sigla que já por tradição lhes pertencia para uma sobrinha em 2° grau de Getúlio Vargas: Cândida Ivete Vargas Tatsch, à frente de um grupo ligado a Golbery do Couto e Silva, estrategista político da Redentora. Um ato de traição a Getúlio, Jango e Brizola; aos trabalhadores. Foi a 12 de maio de 1980 que o PTB era entregue a Ivete e seu grupo. Dias 17 e 18 de maio, no Palácio Tiradentes, realizava-se o Encontro Nacional dos Trabalhistas, quando se anunciou a nova sigla do trabalhismo: PDT. Em 25 de maio, na ABI, eram aprovados, em assembléia geral, os estatutos e o programa do novo partido. (Nota do autor)
Em sua carta a Lupi, Arthur Poerner afasta-se do PDT, “partido que foi parte da minha vida ao longo dos últimos 27 anos”. Diz que não pode “referendar o encaminhamento que vem sendo dado à participação pedetista na próxima eleição presidencial”. Observa que “o governo Lula, apesar dos defeitos, falhas e omissões que se lhe possam atribuir, não é o nosso inimigo; ele é, sim, o avanço nacional possível nas atuais conjunturas interna e externa. Não reelegê-lo significa, na prática, devolver o poder às elites que impedem a participação do nosso povo desde os tempos do escravagismo, agora travestidas de neoliberais, com suas privatizações e alienações das riquezas nacionais, suas políticas de concentração de renda, sua aversão aos pobres, sua submissão aos EUA e, daí, seu sistemático boicote às tentativas de integração latino-americana”.
Poerner se recusa a contribuir “para que a primeira experiência de um homem do povo na presidência do meu país seja afogada pelas marolas alvoroçadas, hipocritamente, por falsos moralistas udeno-tucanos”.